Comércio entre Brasil e Israel não deve ser afetado por crise diplomática

Os exportadores brasileiros ficaram em alerta após os pronunciamentos de Lula, embora exista a perspectiva de que a pragmática comercial entre os dois países possa prevalecer

Fonte: Da redação

As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que equipararam os ataques israelenses à Faixa de Gaza ao Holocausto, geraram um significativo tumulto na política externa brasileira, segundo análises de especialistas. Além disso, provocaram uma escalada diplomática nas relações entre Brasil e Israel.

Os exportadores brasileiros ficaram em alerta após os pronunciamentos de Lula, embora exista a perspectiva de que a pragmática comercial entre os dois países possa prevalecer.

Na segunda-feira (19), o embaixador brasileiro em Israel, Frederico Meyer, foi convocado por autoridades israelenses para esclarecer as declarações de Lula. Poucas horas depois, o governo brasileiro decidiu convocar Meyer para consultas. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, onde ocorre a reunião do G20, o chanceler Mauro Vieira chamou o embaixador israelense, Daniel Zonshine, para uma reunião no Palácio Itamaraty. O encontro teve duração de aproximadamente uma hora e meia, e Zonshine deixou o local sem fazer declarações à imprensa.

Maurício Santoro, doutor em ciência política pelo Iuperj e membro do Centro de Estudos Político-Econômicos da Marinha, considera que a declaração sobre Israel foi a maior e mais profunda contradição do terceiro governo Lula em relação à condução da política internacional. Ele afirma: “O problema não está na crítica a Israel, mas sim na comparação do Estado israelense com o Estado nazista. Essa comparação é feita por militantes de esquerda, mas tem um peso diferente na boca de um chefe de Estado. Mexe com feridas históricas profundas não apenas dos israelenses, mas dos judeus em todo o mundo”.

Santoro ressalta que a tradição diplomática brasileira valoriza a defesa de Israel e a criação de um Estado palestino independente. Ele também destaca que os diplomatas brasileiros desempenharam um papel fundamental na mediação do conflito. O especialista avalia que o governo tem duas opções: reconhecer o erro por meio de uma retratação formal ou insistir nas declarações do presidente. No entanto, ele pondera que as sanções provavelmente terão mais efeitos políticos do que econômicos, observando que no Brasil, o revés pode ser explorado pela oposição bolsonarista, que possui um forte apoio pró-Israel no segmento evangélico.

A crise diplomática acontece em meio aos preparativos para a primeira reunião ministerial do G20 sob a presidência brasileira. O encontro de chanceleres do grupo, que reúne as 20 maiores economias do mundo, está agendado para quarta-feira (21) e quinta-feira (22) no Rio de Janeiro. Embora Israel não faça parte do G20, o embate pode obscurecer as discussões da cúpula, segundo Santoro, que afirma: “É um tema sensível para países mais próximos, como Alemanha e França, além de ser importante nos Estados Unidos e para vários parceiros do Brasil. O impacto dependerá da resposta do presidente nos próximos dias”.

Hussein Kalout, pesquisador na Universidade de Harvard e cientista político brasileiro, avalia que o gesto do ministro Mauro Vieira de receber o embaixador de Israel demonstra boa vontade por parte do governo brasileiro em dialogar e esclarecer a situação para evitar um agravamento das tensões. Ele considera a declaração de Lula inapropriada e inaceitável, mas destaca que o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu não demonstrou interesse em “desescalar” a crise com o Brasil.

Kalout observa que a diplomacia brasileira foi confrontada pelos israelenses com duas ações. Primeiro, a imediata declaração de Lula como “persona non grata” para o país. Em seguida, a convocação do embaixador brasileiro em Israel para uma reunião no memorial do Holocausto, o que foi considerado uma quebra de protocolo, já que os encontros entre diplomatas geralmente ocorrem nas chancelarias. Em resposta, o governo retirou o embaixador brasileiro em Israel, sem definir um prazo para seu retorno.

Kalout observa que chamar o embaixador de volta ao Brasil está dentro das práticas diplomáticas, mas a não volta eventual do representante brasileiro a Israel pode significar um “rebaixamento” das relações diplomáticas entre os dois países. Ele sugere que uma alternativa para Lula seria realizar um ato de reconhecimento a líderes da comunidade judaica no Brasil, demonstrando assim repúdio ao Holocausto, não para agradar o governo Netanyahu, mas em respeito à comunidade judaica brasileira.

No Brasil, o incidente preocupa os setores exportadores. Dados do ComexStat, plataforma governamental, indicam que o Brasil exportou US$ 662 milhões em produtos para Israel em 2023. Os cinco principais itens foram óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos (US$ 139 milhões), carne bovina (US$ 127 milhões), soja (US$ 121 milhões), farelo de soja (US$ 63 milhões) e milho (US$ 38 milhões). Uma fonte com conhecimento nos círculos de exportação de grãos ressalta: “Embora em termos de volume seja pouco, com apenas três navios de milho e três de soja durante todo o ano, qualquer mal-entendido que afete a área comercial é motivo de preocupação”.

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