Zootecnista formado pela Universidade Estadual de Maringá-UEM, trabalhou como analista de mercado voltado para o agronegócio por cinco anos e, atualmente, trabalha como analista de safra na empresa EarthDaily Agro, onde desenvolve estimativas de produtividade e análises diárias a respeito das condições das lavouras do Brasil e do mundo.
Scot Consultoria: Sabemos que os números da safra norte-americana têm grande impacto no mercado global de commodities, principalmente em suas precificações. A semeadura da safra 2024/25 começou em abril, quais são as expectativas para as produções de soja e milho locais?
Felippe: Com a semeadura em andamento, estimar a produtividade ainda é muito difícil, principalmente em um ano em que a semeadura tem enfrentado dificuldades para progredir em ritmo normal. Sendo assim, a principal atenção do mercado, até o momento, era para o tamanho da área destinada para o milho e soja e não tanto para o que a produtividade será em 2024.
Até antes da divulgação do relatório de maio do USDA, primeiro relatório do ano do Departamento que trouxe os números para 2024 dos EUA, estávamos estimando uma área de 33,22 milhões de hectares, exatamente o que o relatório do USDA divulgou na sexta-feira (10/5). Para a soja, nossa estimativa estava em 33,66 milhões de hectares, abaixo dos 34,64 milhões de hectares divulgados pelo USDA.
Considerando esta área e uma produtividade dentro da tendência, consideramos que a produção de milho dos Estados Unidos será de 380,3 milhões de toneladas e de soja de 123,3 milhões de toneladas. Esta é uma estimativa inicial e ainda pode ocorrer alterações conforme o desenvolvimento das lavouras.
Scot Consultoria: Como está o desempenho da semeadura norte-americana. O clima tem impactado o potencial produtivo, ou até o momento não se desenha um “mercado de clima”?
Felippe: O ciclo 2024/25 de milho e soja nos Estados Unidos segue incerto – não sabemos se teremos uma boa produção ou uma quebra de safra. Natural que não tenhamos este cenário tão cedo no ciclo, uma vez que ainda estamos no estágio de semeadura, mas é interessante notar que as preocupações mudaram completamente nas últimas semanas.
Em março, a atenção estava para a baixa umidade do solo e o mercado estava olhando para um cenário de seca no início dos trabalhos. Já em abril, o cenário se alterou completamente, as chuvas voltaram, positivo para aumentar a umidade do solo, mas também encharcou os campos e limitou as operações de campo, situação que se estende até os dias atuais (16/5/24).
Caso as chuvas continuem em alto volume nas próximas semanas, podemos sim ter um cenário de “mercado de clima”, e uma associação com o ano de 2019, quando a alta precipitação levou a um atraso da semeadura e redução do potencial produtivo de milho e soja.
No entanto, sabemos que o potencial dos produtores americanos é alto, no que diz respeito à velocidade dos trabalhos, ou seja, há sim uma atenção quanto ao progresso da semeadura, mas isso, no momento, não é uma preocupação, embora possa virar uma no início de junho, caso o ritmo ainda esteja atrasado significativamente.
Scot Consultoria: No Brasil, vimos o Rio Grande do Sul enfrentando uma catástrofe sem precedentes. Além dos impactos urbanos, o campo também sentiu. Havia lavouras de milho e soja e outras culturas em fase final de colheita. Vocês possuem alguma perspectiva do quanto isso impactará na oferta brasileira?
Felippe: Que há prejuízo para a oferta/produção de soja, milho, arroz isso é fato, apesar de ainda incerto o tamanho dos estragos decorrentes das fortes chuvas no Rio Grande do Sul.
De acordo com nossa estimativa, havia 4,88 milhões de toneladas de soja ainda nos campos, à espera da colheita. Se considerarmos que a perda foi de apenas 20,0%, isso já somaria quase um milhão de toneladas a menos de soja.
No entanto, há talhões e até mesmo propriedades em que a perda foi de 100%. Além disso, há de se considerar as perdas também dos grãos armazenados.
A precipitação alta levou a danos em diversos silos/armazéns. Em algumas estruturas os grãos ficaram inundados, o que levará também a um acréscimo da perda da oferta.
Vale lembrar que o Rio Grande do Sul é o segundo estado com a maior capacidade de armazenagem de grãos, com pouco mais de 32,0 milhões de toneladas, atrás apenas de Mato Grosso (pouco menos de 50,0 milhões de toneladas), de acordo com a Conab.
Estamos considerando a perda de 20,0% do que ainda estava para ser colhido, mas esse percentual pode aumentar, conforme tenhamos mais tempo para analisar os reais estragos das chuvas.
Scot Consultoria: Por fim, vocês aplicam a modelagem para predição da produção nos principais produtores globais. Poderia comentar um pouco sobre os modelos utilizados e os principais critérios que levam em consideração?
Felippe: A nossa metodologia de estimativa de produtividade se baseia, principalmente, na análise dos dados de NDVI (índice de vegetação). O NDVI é um indicador que evidencia o vigor, ou seja, a saúde das lavouras, portanto, quanto maior este índice, mais saudável está a lavoura.
Utilizamos especialmente este indicador, pois há uma alta correlação do NDVI com a produtividade, ou seja, quanto maior o NDVI, maior a produtividade (o oposto também é verdadeiro).
Analisando a evolução do NDVI e comparando-o com os dados históricos, nosso modelo de estimativa nos dá então um valor para a estimativa de produtividade, o que, multiplicando pela área, nos dá a estimativa de produção para o país/estado/cidade/fazenda.
Além do NDVI também utilizamos os dados climáticos, tais como umidade do solo, precipitação (diária, mensal, acumulada), balanço hídrico (precipitação – evapotranspiração), temperaturas (mínima, média e máxima), radiação solar, velocidade do vento, entre outros. São mais de 20 indicadores utilizados para realizar as estimativas.
Os dados são obtidos através de sensoriamento remoto, com a utilização de imagens de satélites que são atualizados diariamente.
Utilizamos informações de diversos satélites, a fim de termos uma melhor imagem e com maior frequência. Além disso, nos próximos 12 meses lançaremos uma constelação de satélites própria. Serão dez satélites que nos darão uma imagem diária de mais de 95,0% do espaço terrestre.