Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão que assessora o Ministério da Educação (MEC), estuda essa revisão, que inclui debates sobre aumentar a carga horária, a proporção de atividades práticas e restringir as possibilidades do ensino a distância (EAD).
A área tem passado por rescimento acelerado nos últimos anos. Das cerca de 1,9 mil graduações, um terço foi criada a partir de 2019. A qualidade das graduações, porém, é colocada em xeque. Entre os formados, só 24% conseguem aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Do total de cursos, apenas 10% receberam o Selo de Qualidade da OAB e 36,5% têm nota 3 ou mais (em uma escala de 1 a 5) no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), aplicado pelo MEC. Diante disso e de novas demandas para o exercício da profissão, será feita a revisão das diretrizes, processo que deve ser consolidado no 2º semestre.
Direito é o curso presencial com a maior quantidade de alunos no País – eram mais de 670 mil matriculados até 2022, segundo o Censo mais recente do MEC. Mesmo com o número alto de estudantes, quase 50% das vagas ofertadas para Direito em faculdades privadas em 2022 não foram ocupadas, devido à grande oferta.
A revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do curso ocorre após mudanças recentes, como esse aumento de cursos e presença mais acentuada das tecnologias da comunicação e inteligência artificial, cita o diretor do curso da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Oscar Vilhena.
Entre as mudanças discutidas, um dos temas de maior destaque é a adoção do EAD na área. Cursos 100% online na área não são liberados pelo MEC e o cenário tem sido de restrições à modalidade.
A pasta suspendeu a criação de novos cursos EAD até março de 2025, quando devem ser criadas novas regras para esse mercado. Até lá, portanto, não há chance de uma graduação jurídica EAD.
Outra discussão é sobre a quantidade de carga horária a distância nos cursos presenciais. Hoje, as regras permitem até 40% de aulas online em qualquer graduação presencial, mas a OAB e parte das faculdades querem restringir essa possibilidade. A ideia é limitar para, no máximo, 20% à distância.
Vilhena, que participa da comissão que revisa as DCNs das graduações em Direito, avalia que aulas a distância podem ser usadas em favor do aluno como solução para situações de ausência de professores de determinadas áreas do Direito e em algumas regiões do País, por exemplo.
Outra discussão levantada é o aumento das aulas e atividades práticas. Para o conselheiro do CNE e presidente da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes), André Lemos Jorge, é preciso que o aluno saia melhor preparado para o mercado de trabalho.
Também integrante da comissão, a secretária geral da OAB Sayury Otoni fala sobre a necessidade de se fixar carga horária mínima destinada às disciplinas práticas e aos núcleos de prática jurídica (que oferecem assistência jurídica gratuita a pessoas sem dinheiro de arcar com honorários advocatícios).
A sugestão é que esse tipo de atividade represente, pelo menos, 10% da carga horária. “Precisa ter esse aluno debatendo, interagindo com os outros em sala de aula”, afirma ela.
Vilhena concorda que é preciso avançar na prática dentro das faculdades e fugir da formação conteudista, que prepara o aluno simplesmente para operar o conjunto vigente de normas. “Se o código (de leis) muda, o aluno perde a capacidade de se adaptar.”
Ainda segundo o professor da FGV, o profissional do futuro precisa ter “alta qualidade intelectual, analítica e de adaptação”.
Além de um limite de 20% para a carga horária a distância e um mínimo de 10% de carga prática, a OAB reivindica:
- Aumento da carga horária mínima do curso de 3,7 mil horas para 4,2 mil horas;
- Currículo com características “humanísticas” e atuais;
- Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em formato de monografia, individual e com defesa perante uma banca;
- Acompanhamento mais rigoroso da qualidade das instituições.
Sayury destaca que o pleito para aumento da carga horária total do curso tem como finalidade incluir disciplinas “humanísticas” e ligadas à atualidade, como Direito Ambiental e Direito Digital. “Não basta só ter as disciplinas técnicas do curso”, diz. Tais inclusões, segundo ela, não alterariam a duração da carreira (5 anos).
Vilhena também destaca a importância de um ensino voltado para a área da tecnologia, especialmente no que tange a regulação de ferramentas tecnológicas nos mercados, mas é contra a inclusão de mais disciplinas obrigatórias.
Para ele, não vale a pena regredir em relação à mudança da última revisão abrangente das diretrizes do curso, feita em 2018. Na época, ficou estabelecido que não haveria disciplinas obrigatórias, mas conteúdos obrigatórios, que podem ser dados de diferentes formas – seja em sala de aula, ou em projetos extracurriculares -, a serem definidas por cada faculdade.
“Se o currículo é engessado, com disciplinas obrigatórias iguais (para todas as faculdades), é capaz que não se consiga atender o que precisa em cada localidade. O importante é que os cursos tenham qualidade para aquilo que eles se propõe e o mercado que atende”, avalia.
“Uma escola que atua com agronegócio em Goiás é diferente daquela que prepara alunos para atuar no mercado financeiro ou passar em concurso público. As diretrizes em vigor hoje permitem isso, que as escolas sejam desiguais, e que essas desigualdades não signifiquem que uma é pior do que a outra. Elas podem ser igualmente boas para atender aquilo a que se propõem”, completa o professor.
Já nos casos em que a instituição não atende os objetivos a que se propõe e onde os egressos têm dificuldade em passar no exame da OAB, seria preciso ajustar os parâmetros diz Vilhena. Os especialistas defendem critérios mais rigorosos para monitorar a qualidade dos cursos.
Sobre o TCC, uma das críticas é a falta de padronização para a realização desse projeto. Cada instituição de ensino define suas próprias regras e parâmetros de avaliação. Em algumas faculdades, não há banco avaliadora e o trabalho pode ser feito em grupo e em diferentes formatos que não a monografia.
A Comissão Especial de Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito conta com 7 conselheiros, além de 40 “notáveis” (profissionais experientes na área e que representam setores interessados) foi formado para discutir quais tipos de mudanças serão avaliadas pelo CNE.
Foi feita ainda uma consulta pública para receber sugestões da sociedade civil sobre tópicos do Direito a serem discutidos.
Com tantas contribuições, um subcomitê, dentro da comissão, foi formado para um trabalho prévio ao da discussão. A ideia é reunir tanto as sugestões dos interessados e da sociedade civil, quanto pesquisas sobre o ensino do Direito e o mercado jurídico, além de resultados de aprovação e notas nos exames da OAB, em concursos públicos e no Enad.
A expectativa de Lemos Jorge é de que até setembro essas informações estejam esquematizadas para que a comissão possa entrar, de fato, nas discussões que irão direcionar a formação dos futuros advogados do País.
Após a aprovação pelo Conselho Nacional de Educação e homologação pelo MEC, as novas diretrizes se tornam requisitos para todos os cursos.