É mais fácil fazer coração do que dente

Reproduzir órgãos com um tipo celular ou material deve ser menos complexo, do que com muitos tipos celulares e materiais

Fonte: Alberto Consolaro - Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC

Reprodução

Para fazer um coração, precisamos de um tipo celular definido, o mesmo acontece para fazer nervo e até cérebro. Com um tipo de células com formas e funções definidas, pode se chegar a este objetivo, mas, mesmo assim, o órgão formado é muito rudimentar.

Quando o órgão que se quer obter em laboratório ou em vivos, é formado por vários tipos celulares, fica um mais difícil ter sucesso. O fato de ter vários tipos de células, de origens diferentes entre si, torna mais complexo concatenar as funções de uma com a outra.

Para formar um dente, o corpo tem que formar a dentina que dá a maior parte da estrutura e forma ao dente. Quem forma a dentina, são as células chamadas odontoblastos no centro do dente, na estrutura chamada polpa ou o “nervo”.

Por cima da dentina, tem que formar o incrivelmente duro esmalte, que vai ficar exposto na boca, moldando e escondendo a dentina abaixo. Na raiz, a dentina é revestida por cemento, outro tecido duro. Um dente tem TRÊS tecidos duros depositados e mineralizados lentamente para ficarem cristalizados e aguentar a mastigação. Haja resistência.

Os dentes são formados por células que se originam em lugares diferentes no embrião e feto. São SETE populações de origens diferentes, como se fossem pessoas de sete países diferentes, que tem se conjugarem harmoniosamente para formar o dente. Na superfície da raiz, ainda tem o ligamento periodontal e o osso fasciculado, também formados por outras populações diferentes.

Imagine uma escultura humana de bronze. A cabeça seria cerâmica, o corpo de bronze e os membros de borracha. Isto sem contar que por dentro teria que ter um tecido esponjoso para nutrir todos. O escultor ia ficar maluco de tanto trabalhar (Na foto, escultura de dente “Comprehension” de J. Seward Johnson).

Para formar dentina, as células chamadas odontoblastos, têm que combinarem com as que produzem o esmalte, chamadas ameloblastos. Para produzir o esmalte, elas têm que combinar, o tempo o local, com as que produzem a dentina. A mesma coisa acontece com as células ao formar o cemento na raiz, chamadas de cementoblastos, concatenando o tempo e local com a formação da dentina, osso e ligamento periodontal. É mais “fácil” fazer um coração, do que um dente: isto é incrível!

QUEM INVENTOU?
Por isto a “notícia” que circulou na internet leiga, de que pesquisadores japoneses descobriram uma substância que ao tomar, injetar na veia ou passar na mucosa, faria os dentes nascerem de novo, tem que ser vista com muito cuidado. Primeiro cuidado é que os dentes “vão nascer de novo”. Como assim? Impossível, se caíram e foram embora, como vão ressuscitar os dentes extraídos? Onde estão estes dentes para “nascer de novo”? Ou serão que irão reencarnar os dentes! De onde viriam estes dentes?

Cada dente é como fosse um embrião e feto à parte, de tão complexo que é a odontogênese, ou processo de formação de um dente. Um medicamento não consegue ligar e desligar genes para a formação de dentes. Não existe um gene para a formação de dentes: são vários! Não existe um mediador para formar o dente, são vários. Ou seja, não é tão simples a ponto de ir à farmácia, pedir o remédio para passar na boca e os dentes “nascerem” de novo.

O fato é: – Pesquisadores analisaram genes e mediadores em animais para interferir na ausência congênita de dentes. É um trabalho experimental na Universidade de Kyoto, publicado na “Scientific Reports” em 2021, uma revista de “acesso aberto” do grupo Nature. Daí, extrapolar para o uso clínico breve na população, inclusive em desdentados, é uma viagem de longa duração. Os cientistas não publicaram que os dentes iriam “nascer de novo”, mas escreveram que “nossos achados têm implicações no desenvolvimento de tratamentos tópicos para a agenesia congênita de dentes.” Que loucura!

REFLEXÃO FINAL
A “notícia” publicada na “internet leiga”, não tem base científica. A impressão é que soltaram esta “notícia” para conseguir audiência e financiamentos, mas não precisava usar tanto assim a imaginação! E pior, é que tem gente que acredita!

 

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