As cidades de Igarapé Grande e Afonso Cunha serão auditadas pela Controladoria Geral da União (CGU) por terem recebido mais emendas parlamentares sem transparência. A decisão veio a partir do bloqueio determinado pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Foram bloqueados todos os repasses de dinheiro público patrocinados por senadores e deputados e que não tinham transparência.
Nesta sexta-feira (16), o STF começou a julgar o destino das emendas parlamentares ao Orçamento. O julgamento já está 5 a o para confirmar a suspensão das emendas. A liberação do dinheiro indicado pelos parlamentares está no centro do mais recente embate entre Judiciário, Congresso e Executivo. No dia 1º de agosto, o ministro Dino determinou que as chamadas emendas Pix só sejam pagas após o Congresso e o Executivo tomarem providências para dar transparência ao uso dos recursos. Essa modalidade de emenda pode ser usada para qualquer finalidade, exceto pagamento de pessoal, e não deixa rastros em ferramentas de acompanhamento de convênios da União.
Nesta semana, Dino também bloqueou o pagamento de emendas consideradas impositivas, ou seja, modalidade que obrigado o governo federal a liberar o dinheiro destinado a redutos políticos de deputados e senadores. Em recurso enviado ao STF, o Parlamento sustenta que Flávio Dino “extrapolou”.
Campeões de emendas por habitante, 2020-2023
Municípios que devem ser auditados pela CGU, de acordo com critério estabelecido por Flávio Dino (STF)
Mucajaí | RR | 18.095 | 113.089.907,83 | 6.249,79 |
---|---|---|---|---|
São Luiz | RR | 7.315 | 108.255.055,23 | 14.799,0 |
Iracema | RR | 10.023 | 103.325.320,74 | 10.308,82 |
Tartarugalzinho | AP | 12.945 | 100.445.537,28 | 7.759,41 |
Bonfim | RR | 13.923 | 93.964.724,6 | 6.748,88 |
Bituruna | PR | 15.533 | 79.598.625,31 | 5.124,48 |
Vitória do Jari | AP | 11.291 | 67.605.971,79 | 5.987,6 |
Itaubal | AP | 5.599 | 43.323.519,2 | 7.737,72 |
Jangada | MT | 7.426 | 34.453.418,0 | 4.639,57 |
São João da Baliza | RR | 8.858 | 33.681.668,22 | 3.802,4 |
Igarapé Grande | MA | 10.231 | 33.386.254,0 | 3.263,24 |
Caridade do Piauí | PI | 5.033 | 31.262.720,11 | 6.211,55 |
Afonso Cunha | MA | 6.144 | 28.195.746,95 | 4.589,15 |
Cutias | AP | 4.461 | 27.896.790,52 | 6.253,48 |
Pracuúba | AP | 3.803 | 27.253.885,6 | 7.166,42 |
Barra D’Alcântara | PI | 3.995 | 23.195.289,0 | 5.806,0 |
São Felipe D’Oeste | RO | 5.258 | 23.172.647,65 | 4.407,12 |
Floresta do Piau | PI | 2.333 | 14.903.487,31 | 6.388,12 |
Campos Verdes | GO | 4.005 | 13.080.306,86 | 3.265,99 |
Muricilândia | TO | 3.367 | 12.715.962,18 | 3.776,64 |
Talismã | TO | 2.456 | 12.388.546,55 | 5.044,2 |
Ouro Velho | PB | 2.918 | 12.295.059,45 | 4.213,52 |
Lavandeira | TO | 1.626 | 11.147.452,88 | 6.855,75 |
Bandeirantes do Tocantins | TO | 3.407 | 10.007.859,24 | 2.937,44 |
São Félix de Minas | MG | 3.200 | 8.661.939,0 | 2.706,86 |
Piraquê | TO | 2.282 | 8.494.565,13 | 3.722,42 |
Sul Brasil | SC | 2.832 | 5.877.370,23 | 2.075,34 |
Alto Bela Vista | SC | 1.856 | 4.917.031,26 | 2.649,26 |
Grupiara | MG | 1.392 | 3.793.854,19 | 2.725,47 |
Araguainha | MT | 1.010 | 3.512.534,19 | 3.477,76 |
Municípios campeões de emendas e seus padrinhos
Cruzando dados orçamentários e do Censo de 2022, o Estadão chegou à lista de municípios que deverão ser analisados pela CGU. Concentradas em Roraima, no Amapá e em Tocantins, as cidades são base eleitoral do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP); do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro; e dos senadores Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Chico Rodrigues (PSB-RR), entre outros.
São Luiz (RR) é uma cidade de apenas 7,3 mil habitantes, a quatro horas de carro da capital de Roraima, Boa Vista. De 2020 a 2023, a prefeitura local recebeu R$ 108 milhões em emendas parlamentares de todos os tipos. É como se cada morador tivesse sido agraciado com R$ 14,8 mil – o maior valor per capita do País no período. No entanto, é difícil saber como a cidade usou a bonança financeira. No Portal da Transparência da prefeitura não há qualquer informação sobre quaisquer obras, despesas ou convênios firmados este ano.
Para dificultar ainda mais qualquer fiscalização, 76% do dinheiro recebido pela prefeitura de São Luiz foi enviado pelo Congresso usando as “emendas Pix”. Quem mais mandou dinheiro para São Luiz no período foi o ex-senador Telmário Mota (Solidariedade-RR), preso desde outubro passado sob a suspeita de ser o mandante do assassinato de sua ex-mulher. Ao longo dos quatro anos, ele mandou R$ 26,8 mihões para a prefeitura.
Ao bloquear o pagamento das emendas parlamentares na quarta-feira, 14, Dino atendeu a uma ação apresentada pelo PSOL. A decisão atingiu as emendas individuais e as emendas das bancadas estaduais. Com isso, travou a execução de todas as emendas parlamentares: as de comissão já estavam bloqueadas desde a primeira decisão do ministro, no começo do mês. Nesta quinta, 15, Câmara, Senado e mais 11 partidos apresentaram ao STF um pedido para que libere a execução das emendas individuais e de bancada.
O tema começará a ser julgado pelos onze ministros do STF nesta sexta-feira, 16, por meio do chamado Plenário Virtual. Nessa modalidade, os ministros depositam seus votos por escrito em uma página no site do STF, sem debate ao vivo. A sessão vai até as 23h59. Estão em julgamento duas decisões de Dino determinando medidas de transparência para as emendas Pix e a desta quarta, que suspendeu as emendas impositivas. A decisão do dia 1º de agosto sobre as emendas de comissão e sobre o antigo orçamento secreto não está em questão.
A auditoria foi pedida por Dino após uma audiência de conciliação entre representantes do governo, do Congresso e do Ministério Público, além de ONGs que trabalham no tema da transparência pública, no começo deste mês. A reunião tinha por objetivo dar cumprimento à decisão de 2022 do STF que declarou inconstitucional o orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão. Na decisão, Dino determinou à CGU que levante dados sobre as dez cidades “mais beneficiados por emendas parlamentares/nº. de habitantes, nos anos de 2020 a 2023 (ano a ano)”. A controladoria deveria buscar por informações como o andamento das obras feitas com a verba e os mecanismos de “rastreabilidade, comparabilidade e publicidade” adotados pelas prefeituras.
Nesses 4 anos mencionados por Dino, trinta municípios encabeçam os rankings de maiores recebedores per capita de emendas, de todos os tipos (comissão, relator, individual e bancada). O número não chega a 40 porque alguns dos municípios se repetem ao longo dos anos. São Luiz, por exemplo, lidera a lista nos anos de 2020, 2021 e 2023. Os municípios estão distribuídos por 12 Estados, mas Amapá, Roraima e Tocantins são os mais presentes. O Estado de Alagoas, do presidente da Câmara Arthur Lira (PP), não tem nenhum representante no grupo, embora a capital Maceió tenha sido a sexta prefeitura que mais recebeu emendas em todo o País no período (R$ 327,7 milhões).
As 30 cidades a serem auditadas são o lar de 182.617 brasileiros, segundo o último Censo. De 2020 a 2023, as prefeituras receberam R$ 1,09 bilhão em emendas – inclusive R$ 258,7 milhões em emendas de relator, base do esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão. É como se cada morador tivesse ganho quase R$ 6 mil. Dentro do conjunto há grandes disparidades. Os R$ 14,8 mil por habitante de São Luiz são mais que o dobro do valor per capita da última colocada no “top 10″, Mucajaí (RR), onde cada morador recebeu o equivalente a R$ 6,2 mil. Mesmo assim, é muito mais que a lanterna do ranking nacional, Santana de Parnaíba (SP), com só R$ 16,76 por habitante.
Pelo menos 142 políticos mandaram emendas para estes 30 municípios. A gama é eclética e abrange gente com e sem mandato, de diversos partidos e Estados, além de comissões e bancadas estaduais. Na lista figuram políticos de destaque, como o ministro do TCU e ex-deputado Jhonatan de Jesus (R$ 46 mihões); o pai dele, o senador Mecias de Jesus, atual líder do Republicanos no Senado (R$ 24,7 milhões); o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (R$ 29,7 milhões); e o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (R$ 24,4 mi), entre outros.
Disputa acirrada pelo Orçamento
Nas últimas semanas, tanto Flávio Dino quanto outros atores têm se movimentado para restringir o poder do Congresso sobre o orçamento, exercido por meio das emendas parlamentares – o Legislativo, por sua vez, reage e ameaça retaliar o governo Lula (PT).
Além de determinar medidas para acabar com a prática do orçamento secreto, Dino também decidiu favoravelmente no começo do mês a uma ação apresentada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), com determinações que buscam dar transparência às “emendas Pix”. No mesmo despacho, suspendeu o pagamento dessas emendas até que as medidas de transparência sejam efetivadas. Na quinta-feira, 8, atendendo a um pedido do procurador-geral da República, Paulo Gonet, Dino manteve a suspensão, mas liberou as transferências para obras já em andamento.
“Não pode haver um mecanismo de transferências de recursos tão vultosos como as ‘emendas Pix’ sem controle, transparência e governança previamente estabelecidos que permitam uma melhor fiscalização”, diz a pesquisadora Gabriella da Costa, da ONG Transparência Internacional.
Na terça, 6, uma comissão técnica formada por representantes do Executivo, do Congresso e do Ministério Público se reuniu e criou um cronograma com ações para dar transparência às verbas do orçamento secreto e das emendas de Comissão – inicialmente, a ideia é de que um painel com as informações esteja no ar até março do ano que vem. No dia seguinte, quarta-feira, congressistas insatisfeitos com as decisões de Dino ameaçaram retaliar o governo durante a votação do Orçamento de 2025.