A busca por minerais necessários para projetos de transição energética vem causando conflito nas novas frentes exploratórias. É o que indica o Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (Poemas), ao qual são vinculados pesquisadores de diferentes instituições científicas, como as universidades federais de Juiz de Fora (UFJF), Fluminense (UFF) e de Viçosa (UFV).
Estudo sobre a questão, concluído recentemente, identificou violações de direitos de pequenos proprietários rurais, trabalhadores e comunidades tradicionais, sendo a Amazônia Legal a região que concentra o maior número de ocorrências. Os casos mapeados se deram entre 2020 e 2023.
Chama a atenção que quase metade das ocorrências identificadas foram registradas na Amazônia Legal. A região que inclui nove estados – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão – responde por 46,3% dos registros.
“O que o estudo vem que mostrar é que não podemos tratar a mineração dos minerais críticos sem considerar os danos. E é algo que já está ocorrendo”, disse, em entrevista à Agência Brasil, o geógrafo e professor da UFF, Luiz Jardim Wanderley, um dos signatários do estudo.
Os resultados estão no relatório Transição Desigual: as violações da extração dos minerais para a transição energética no Brasil. O documento foi publicado em julho pelo Conselho do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil e pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, os quais são compostos por diferentes organizações, entre elas o Poemas.
Os minerais críticos ou minerais de transição são aqueles cuja disponibilidade atual é limitada e a exploração é considerada necessária para assegurar a transição energética, já que são essenciais para a fabricação de peças e equipamentos associados à ideia de energia verde.
Por exemplo, há demanda por cobre nas usinas eólicas, por silício para os painéis fotovoltaicos, por níquel e lítio para as baterias, por bauxita e alumina para os cabos de transmissão.
De acordo com dados reunidos no estudo, a exploração mineral no país cresceu de R$ 243 bilhões para R$ 266 bilhões em valores deflacionados entre 2013 e 2022. Trata-se de um avanço de 9,3%. No entanto, levando em conta apenas os minerais críticos, o aumento foi de 39%. Dados dos investimentos das mineradoras em pesquisa mineral também ajudam a ilustrar o cenário. Houve um crescimento de 150%, entre 2013 e 2022. Quando se considera apenas os minerais críticos, porém, a alta foi de 240%. Na última quarta-feira (11), o anúncio da australiana Pilbara Minerals, especializada na mineração de lítio, ilustrou o cenário: a mineradora fará um investimento de R$ 2,2 bilhões em um projeto no município de Salinas (MG), no Vale do Jequitinhonha.
A definição de minerais críticos não é uniforme e varia conforme a base acadêmica e as orientações políticas de cada governo. No estudo, os pesquisadores enquadraram 31 substâncias na categoria, dos quais 14 estiveram relacionadas com conflitos no Brasil: alumina/bauxita, cassiterita/estanho, cobre, cromo, grafite, lítio, manganês (incluindo liga de manganês), nióbio, níquel, prata, silício, urânio, vanádio e zinco.
Os minerais citados representam atualmente uma participação minoritária na produção do setor. O último balanço divulgado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que reúne as maiores mineradoras do país, consolidou os dados do primeiro semestre de 2024. No período, 61,8% da produção foi de minério de ferro, seguido por 7,5% de minério de ouro. São duas substâncias envolvidas em grandes tragédias nacionais.
A exploração de minério de ferro está associada aos rompimentos das barragens da Samarco em Mariana (MG) e da Vale em Brumadinho (MG). Já o garimpo ilegal de ouro está no epicentro da crise humanitária na Terra Yanomami, em Rondônia. Os dados consolidados do Ibram, no entanto, dizem respeito apenas à produção legal.
De acordo com Luiz, não seria por acaso que Pará (40,8%) e Minas Gerais (25,9%) concentrariam juntos 66,7% das ocorrências. São tradicionalmente os dois principais estados mineradores do país, sobretudo por sediarem as grandes minas de exploração de minério de ferro. No entanto, considerando apenas os minerais críticos, a produção mineira entre 2013 e 2022 aparece apenas em quarto lugar, sendo superada não apenas por Pará, como também por Goiás e Bahia.
Ainda assim foram mapeados mais conflitos em municípios de Minas Gerais do que em cidades goianas e baianas. Os pesquisadores tem uma explicação: os dados indicariam que os conflitos são contínuos em estados onde a mineração é uma atividade com relevância histórica.
“Em Minas, você tem um setor consolidado de mineração envolvendo minerais de transição, como por exemplo a exploração de bauxita na Zona da Mata mineira. E também tem as áreas de expansão recente como é o caso da exploração do lítio, que vem produzindo uma série de conflitos no Vale do Jequitinhonha. Então o estado tem essa característica: ao mesmo tempo que já possui uma presença consolidada do setor mineral, é também uma área de expansão”, avalia Luiz Jardim Wanderley.
Mineradoras
O estudo também apresenta uma análise do perfil das mineradoras relacionadas com os conflitos. A maioria deles é de médio porte. Ainda assim, o ranking das principais envolvidas nas ocorrências mapeadas é puxado por duas grandes empresas: a noruguesa Hydro, com 14,4%, e a brasileira Vale, com 11,5%.
Os números de ocorrências envolvendo as duas mineradoras são impulsionados por situações registradas no Pará. A Hydro responde pela exploração de alumina nos municípios Abaetetuba e Barcarena, que chegou a gerar uma ação coletiva movida pelos atingidos na Justiça holandesa. Eles alegam que as águas do rio Murucupi foram poluídas, que há danos à saúde e prejuízos econômicos à população local. violações de direitos de povos indígenas teriam relação com as minas Salobo e Sossego, nas quais há extração de cobre em Canaã dos Carajás, e com a mina Onça Puma, onde são exploradas reservas de níquel a partir de uma operação sediada em Ourilândia do Norte.
A Hydro negou a ocorrência de danos ambientais em seu empreendimento. A mineradora afirmou investir continuamente em tecnologias para tornar suas operações cada vez mais sustentáveis e em iniciativas socioambientais com foco em educação, geração de trabalho e renda, fortalecimento de organizações sociais e desenvolvimento econômico e social.
“A principal alegação apresentada no relatório é o suposto transbordamento das áreas de armazenamento de resíduos de bauxita após fortes chuvas em Barcarena em 2018. A Hydro reitera que nenhum transbordo foi confirmado por mais de 90 inspeções no local, inclusive pelas autoridades competentes. As atividades da Hydro são devidamente licenciadas, monitoradas e auditadas pelas autoridades competentes. A Hydro tem o compromisso de ser uma boa vizinha, agindo com responsabilidade e colocando a saúde, o meio ambiente e a segurança em primeiro lugar”, diz o texto.
A Vale, por sua vez, afirma que não realiza pesquisa mineral ou lavra em terras indígenas e que respeita a legislação vigente. De acordo com a mineradora, laudos elaborados por peritos judiciais descartaram sua responsabilidade na contaminação da água no rio Cateté. A mineradora afirma já ter celebrado um acordo que encerrou a quase totalidade de controvérsias com os indígenas Xikrin e Kayapó.
“O relacionamento com esses povos foi fortalecido e iniciativas voluntárias para o empoderamento e autonomia dessas comunidades têm sido trabalhadas, em alinhamento com a estratégia de relacionamento da Vale, focada na geração de benefícios mútuos. Alguns exemplos são as ações de promoção do etnodesenvolvimento do Povo Xikrin, com destaque para o Projeto de Valorização da Cultura e Memória do Povo Xikrin do Cateté. Junto ao Povo Kayapó, a Vale apoiou a elaboração do Protocolo de Consulta desse povo, que foi desenvolvido pela Associação Indígena Floresta Protegida e aprovado na Assembleia Geral de Caciques e Lideranças da Terra Indígena Kayapó, que ocorreu na aldeia Gorotire em janeiro de 2024”, acrescenta a mineradora.
Outro conflito destacado no relatório coloca, de um lado, a Mineração Rio do Norte (MRN), e de outro, quilombolas e ribeirinhos de Oriximiná (PA). No município, minas para exploração de bauxita são apontadas por moradores locais como responsáveis por tornar o Lago do Batata impróprio para pesca e banho. A comunidade quilombola Boa Vista, que vive a menos de 500 metros do empreendimento, afirma ainda que a instalação da MRN afetou a extração de castanhas.
De acordo com nota divulgada pela MRN, o monitoramento conduzido em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desde 1989 mostra que as condições ecológicas no Lago do Batata estão equivalentes às de locais onde não ocorreram intervenções. “Há registros de, ao menos, 199 espécies de peixes e a prática da pesca é comum entre os comunitários, o que é endossado pelo fato de pelo menos 142 dessas espécies são utilizadas para subsistência e comércio de pescado. Da mesma forma, dados da qualidade da água não apresentam nenhum elemento que possa trazer risco à saúde humana”.
Ainda de acordo com a mineradora, ações socioambientais compensatórias e voluntárias fomentam a geração de renda e o acesso à educação e saúde da população da comunidade Boa Vista. “As iniciativas reforçam o compromisso da empresa em fazer uma mineração sustentável e responsável, com respeito às pessoas e ao meio ambiente”, registra o texto.