Sergio Victor Tamer
Se as políticas públicas são precárias ou inexistentes para garantir direitos fundamentais sociais, como temos constatado nos últimos anos no Brasil, não podemos atribuir a culpa à Constituição. Ela fez a sua parte. A doutrina e a jurisprudência também.
Mas na hora de dar efetividade à norma constitucional de natureza social o Poder Executivo, se complica. O que se passa com o Brasil, uma economia pujante e moderna, mas atrasado socialmente?
Há, de fato, uma enorme dificuldade para fazer chegar os direitos sociais ao conjunto da sociedade por parte de municípios, estados e União, e este é um tema constitucional de extrema importância, pois está vinculado à efetivação dessas normas fundamentais, sobretudo em um país como o nosso que guarda diferenças regionais e de desenvolvimento bastante acentuadas.
Sob esse enfoque, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais – que na Constituição brasileira aparece no art. 3º, III, como um dos objetivos fundamentais da República – vem sendo uma das maiores prioridades na construção de sociedades mais justas, ao mesmo tempo em que se reconhece cada vez mais que as causas e condições da pobreza são diferentes para homens e mulheres, negros e brancos.
Nesse panorama, estamos celebrando os 36 anos de uma Constituição democrática que nos trouxe muitas promessas sociais e, com elas, algumas frustrações. Entretanto, em nosso país, constatamos que a cultura política de natureza oligárquica e patrimonialista freia o desenvolvimento econômico e impede a modernização social, vale dizer, o acesso aos bens econômicos, culturais e sociais.
O ativismo judicial, neste campo, se justifica sem maiores divergências. A garantia judicial de direitos sociais guarda, assim, uma clara compreensão da função do Poder Judiciário no âmbito do Estado Social e Democrático de Direito, como propõe a Constituição brasileira que é, ela própria, uma síntese liberal-social.
Sob essa ótica, tenho defendido a tese de que as pessoas possuem direitos subjetivos às prestações estatais e às consequentes políticas públicas para fazê-los efetivos. E ainda, como consequência, que o Poder Judicial tem legitimidade e competência para assegurar o desfrute dos direitos sociais e provocar a execução das prestações e políticas sociais do Estado.
Portanto, consideramos que quando uma Constituição como a brasileira de 1988 – que agora completa 36 anos de existência – incorpora uma série de direitos sociais e adota uma cláusula explícita de autoaplicabilidade, como a do parágrafo 1º do art. 5º , a garantia efetiva dos direitos sociais passa a ser um dever político compartido por todas as esferas do poder do Estado, o que afasta a suposta ilegitimidade do Poder Judiciário ao assegurar, neste âmbito, as chamadas prestações positivas do Estado.
Todavia, no Brasil, em que pese as garantias legislativas e judiciais para tornar efetivo os direitos sociais, a estrutura cultural e política do Estado oferece um obstáculo suplementar a esse propósito. São eles: 1) a burocratização; 2) a corrupção; 3) as políticas públicas ineficientes ou inexistentes; 4) os direitos sociais tomados como “assistencialismo social” em detrimento de seu caráter universal.
Assim, a premissa básica nos estados sociais e democráticos de direito reside em não haver liberdade efetiva onde não haja direitos sociais básicos.
Por fim, não culpemos a Constituição de 1988 pelas transgressões e desvirtuamos a que ela tem se submetido, ora por práticas abusivas do Executivo ora por excesso de invocações principiológicas e de teorias estapafúrdias adotadas em profusão por eminentes membros do Judiciário – a mitigar o caráter soberano de suas normas que se reescrevem em cada julgado.
E se é verdade que a Constituição democrática é a “união do povo com o Estado” deixemos que esse casamento seja duradouro, ainda que em meio às suas relações conflituosas, evitando, assim, tantas infidelidades constitucionais…
• SERGIO VICTOR TAMER é advogado e professor, presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP.