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O que está por trás da onda nostálgica e retrô da música

As manifestações artísticas de três décadas atrás nem eram tão boas, mas nos transportam para um tempo no qual a gente não se preocupava tanto com os boletos

Fonte: Sérgio Martins

Numa conversa informal que tive com o diretor geral de uma das principais emissoras de rádio do País, ele chamou a minha atenção para o retorno dos anos 90. Um dos melhores exemplos, segundo ele, seria a própria estação que comanda: nos últimos dois anos, ela dedicou parte da programação às músicas e locuções daquele período, obtendo aumento de audiência e faturamento.

Fato isolado? Nem tanto. Um dos sucessos de temporada de uma rádio popular do Rio é o programa da Gota, equipe de som dedicada ao funk de um período em que termos como “sunda” – que substituem você bem sabe muito bem o quê – ainda não haviam sido trocados pelos nomes explícitos de hoje em dia. O resultado? 400 mil ouvintes por minuto nas tardes de domingo, horário em que a maioria da população se dedica ao futebol.

No final de semana passada, estava programado um mega baile de A Gota – que revelou, entre outros, a dupla Claudinho & Buchecha – no Via Show, casa da zona oeste que foi um dos templos do funk carioca. Dennis DJ, outro nome daquele período, criou um baile no qual toca sucessos do funk da virada dos anos 90 para os 2000. Não faz muito tempo, presenciamos o sucesso dos documentários de Xuxa e Paquitas e o frenesi coletivo causado pela volta do Oasis, grupo inglês que foi porta-voz do britpop, movimento que fez história nos anos 90. E o que falar dos shows e tributos ao pagode desses tempos?

Toda vez que nos deparamos com essa onda nostálgica, entra em cena a surrada tese da memória afetiva. Explicando melhor: as manifestações artísticas de três décadas atrás nem eram tão boas, mas nos transportam para um tempo no qual a gente não se preocupava tanto com os boletos. O Sérgio que se emociona ao escutar, por exemplo, uma canção de Marisa Monte, na verdade, sonha com um tempo em que os boletos não invadiam a caixa de entrada dos seus e-mails.

Luiz Couto, terapeuta junguiano que fiz questão de consultar para essa coluna, chama atenção também para algo chamado ab-reação, uma liberação emocional que descola do nosso inconsciente toda vez que determinadas canções são tocadas. Talvez por isso que o aroma da Jamaica sobe pelas minhas narinas nas vezes em que escuto meus reggaes prediletos ou AC/DC, Scorpions, Ozzy Osbourne e Iron Maiden me trazem o odor insuportável de adubo que era comum no Rock in Rio em 1985.

Creio que seja mais do que isso. Segundo o último censo realizado no País, houve um aumento da idade média dos brasileiros. De 2010 para 2022, ela passou de 29 para 35 anos. No mesmo período, o índice de envelhecimento passou de 30,77 para 55,2, indicando que há 55,2 idosos para cada criança de 0 a 14 anos.

Os anos 90, para essa turma mais vintage (às quais me incluo), são o último período em que a melodia no cancioneiro pop sobrepujou a força das batidas do rap, do funk e do trap, que dominam as paradas atuais. Uma canção, por mais cafona que fosse, era criada ao piano ou na guitarra em vez de se render aos algoritmos. E foi ainda um período em que a música tinha muito mais significado do que trilha para esquentar a balada e os shows eram mais do que aquele momento que registramos no celular para exibir aos amigos.

Há também uma questão comercial para isso: os catálogos dos rockstars e popstars têm sido comprados por grandes empresas. Essas, por sua vez, precisam escoar as canções para recuperar o investimento. Que, nesse caso, se traduzem em trilhas de comerciais, filmes e séries de TV. Ou seja, aquele tema antigo que toca em seu programa preferido representa muito mais do que uma onda de nostalgia – pode ser um executivo querendo fazer valer seu investimento.

Por conta da profissão, escuto músicas de todos os períodos e estilos. Mas em nome do que descobri se chamar ab-reação, me debruço muito sobre a discografia noventista. Caio na dança ao som do reggae de Aswad e Lucky Dube; me recordo do neo-soul de Maxwell e D`Angelo e o acid jazz de Brand New Heavies. Me animo com o levante pop de Skank, Pato Fu e Jota Quest; tremo ao me recordar dos tambores de Chico Science & Nação Zumbi e a MPB moderna do mundo livre s/a, e quero cair na dança com Olodum, Ilê Ayê e Daniela Mercury – de preferência no Pelourinho.

O pop contemporâneo, aliás, também possui lampejos de nostalgia. E dessa vez vamos a mais um rótulo, esse criado pelo crítico inglês Simon Reynolds. A Retromania seria a obsessão de um movimento musical se inspirar em algo do passado – mas o garimpo é buscado num passado cada vez mais próximo. A pesquisa, contudo, tem surgido de formas de popstars bem interessantes. Ultimamente tenho escutado Chappell Roam e Charli XCX, que usam como referências as bandas Cranberries e a diva dance Robin S.

Emanuelle Araújo, cantora e atriz, prepara um tributo à axé music, que deve sair no carnaval de 2025. E lançou, na sexta-feira passada, Minha História, releitura do sucesso da Timbalada. O mais curioso fica por conta de Disco Bootik, projeto do cantor e jornalista Mauro Soares. Ele criou a vertente – com direito a manifesto e tudo! – new poperô, onde clama pelo retorno daquela dance music made in Itália que até hoje faz o cantor Double You ganhar uns trocados por aqui. Seu próximo single traz um tributo às casas noturnas daquele período, como Toco e Overnight.

Diante de todo esse revival, fica um desejo no ar. Será que a gente pode sonhar com o real valendo o mesmo que o dólar, como era nos anos 90?

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