Publicidade
Carregando anúncio...

Mural da Academia Ludovicense de Letras

Edição com artigos do acadêmico Leopoldo Gil Dulcio Vaz.

Fonte: Da Academia


Carta ao Rubem Goulart, Filho
Novas contribuições à história da educação física maranhense
Por
Leopoldo Gil Dulcio Vaz
Mestre em Ciência da Informação
Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão

Caro Rubinho,

Como é de seu conhecimento, há anos venho tentando resgatar a História da Educação Física e dos Esportes em nosso Estado. Preocupa-me a nossa falta de memória, pois “a cada 15 anos, esquecemo-nos dos últimos 15”. Sei que outros colegas têm procurado resgatar a memória da Educação Física, dentro de tarefas acadêmicas realizadas junto à Universidade Federal do Maranhão. Cito os trabalhos do Demóstenes Mantovani e do Vicente Calderoni Filho, infelizmente dado a conhecimento de uns poucos privilegiados. É de vital importância que a UFMA se preocupe em divulgar as pesquisas produzidas por seus Cientistas.

Em trabalho publicado pelo jornalista Djard Martins – Esporte, um mergulho no tempo – é-nos dado conhecimento da primeira competição de atletismo realizada em nossa Upaon-Açú, em 27 de outubro de 1907. Em artigo publicado em 1991, demonstro ser esta a primeira competição oficial de atletismo disputada no Brasil. Antes mesmo da “primeira competição disputada por brasileiros, em São Paulo, no ano de 1918″, conforme reconhece a própria Confederação Brasileira de Atletismo. Nosso amigo comum, Roberto Gesta – Presidente da CBAt – já recebeu cópia desse trabalho e ficou de tomar as providências cabíveis: reconher a primazia do Maranhão como o local do início oficial do Atletismo no Brasil.

Continuando com a ” descoberta” de nossa história, apresentei trabalho no XVIII Simpósio Internacional de Ciências do Esporte, realizado em São Caetano do Sul – SP em outubro de 1992. Nessa pesquisa procuro resgatar as “Primeiras manifestações do lúdico e do movimento no Maranhão Colonial”, onde apresento como primeira manifestação “esportiva” praticadas em terras maranhenses, por brancos, o “Jogo da Argolinha”, ainda disputado no interior de Minas Gerais.

Anterior ao período colonial, em “A corrida entre os Canelas” descrevo a corrida de toras praticada pelos Rankrakomekrás do Escalvado. Essa competição, do grupo das corridas de revezamentos, é praticada por nossos índios desde há 7 mil anos, contemporânea da sistematização das regras do atletismo feitas pelos gregos. Pode-se considerar, assim, que esta é a primeira manifestação “esportiva” do Maranhão, pois possui todos os requisitos para reconhecimento de um esporte: regras definidas, aceitas pela comunidade que a pratica, e, fundamental, disputada com “fair-play”.

Na busca de novas informações sobre a Educação Física no Maranhão tenho realizado, junto com o Prof. Laércio E. Pereira – seu professor na UFMa – pesquisa na área da Documentação em Ciências do Esporte. Já fizemos 12 índices de periódicos. Recentemente, chegou às nossas moãs a coleção completa dos “Arquivos da Escola Nacional de Educação Física e Desportos”, da antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Bem, Rubem, permita-me transcrever, para você, parte do conteúdo da página 129 do volume 1, número 1, publicado em outubro de 1945 dos “Arquivos”:

“RECORDS DE ATLETISMO DOS ALUNOS DA
ESCOLA NACIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA

100 metros rasos Rubens Teixeira Goulart .11″ 30/10/43
400 metros rasos Rubens Teixeira Goulart 54″1 30/10/43

Salto em Altura Du-Clerc Carvalho

Rubens Teixeira Goulart lm70
1m70 20/11/41

25/07/42

Salto em Distância Rubens Teixeira Goulart 6m20 29/07/42

Decathlon Rubens Teixeira Goulart 5.027 pts 30-31/10/43

Observações: são considerados ‘Records’ oficiais, toda a performance conseguida em competições internas ou externas, desde que sejam oficiais ou oficializadas.”

Parece-me que o recorde de salto em distância só foi batido por Ary Façanha de Sá, no início da década de 50. O Prof. Ary Façanha, maranhense de Guimarães, participou da Olimpíada de 1952 realizada na Finlândia. Mas esta é outra história, que também precisa ser contada.

Fica, portanto, a “provocação” aos alunos da UFMA para resgatar a “história de vida” do Prof. Rubem, pai, dentro da obrigatoriedade de se redigir monografia de graduação, pois muitos contemporâneos desse ilustre maranhense ainda estão vivos e podem resgatar a memória de nossa educação.

*****************************************

O Jogo das AArgolinhas:
O Início do Esporte no Maranhão

Leopoldo Gil Dulcio Vaz
Mestre em Ciência da Informação
Professor de Educação Física do CEFET-MA

Uma função essencial do calendário é a de ritmar a dialética do trabalho e do tempo livre. Trata-se de permitir o entrecruzamento do tempo mais disciplinado, mais socialmente controlado, com o tempo cíclico das festas e, mais flexível, do jogo.

Uma das funções do calendário está em articular os tempos de trabalho e de não-trabalho, ou ainda, articular o tempo linear-regular do trabalho com o tempo cíclico da festa, do jogo e, do mesmo modo, do esporte.
O calendário seria o resultado complexo de um diálogo entre a natureza e o homem; diálogo este não estranho ao lazer, ao esporte e ao jogo. (Le GOFF, 1992; GEBARA, 1997, 1998).

Em São Luís do Maranhão, a Câmara tinha que mandar celebrar, além da procissão de Corpus Christis, quatro festas anuais: a de São Sebastião em janeiro, a do anjo Custódio em julho, a da Senhora da Vitória em novembro, e a da restauração de D. João IV, chamado especialmente el-rei, em dezembro. Fora essas datas, só se realizavam cerimônias festivas quando assumia um novo governador ou, depois, quando chegava um novo bispo
Esses tempos de festa serviam para regular o calendário do trabalho. Ao contrário do uso do tempo após a revolução industrial, o tempo era regulado pela natureza. O ritmo do trabalho era dado pelo ritmo do homem no comando de ferramentas e instrumentos de trabalho (GEBARA, 1997, 1998).

Em 1678, D. Gregório de Matos – primeiro bispo do Maranhão (1679-1689) – foi recebido com uma festa. Teve lugar, no adro da igreja, uma comediazinha. Finda ela, foi D. Gregório para a casa de Manuel Valdez, onde, por oito dias consecutivos, ou mais, houve representações de encamisadas a cavalo, danças e outros gêneros de demonstrações de festas e alegria. (MEIRELES, 1977).

A tradição de desfile a cavalo em festas oficiais é imemorial, tendo se tornado indispensável em Roma, durante as procissões cívicas, triunfos e mesmo festividades sacras. Em Portugal, desde velho tempo a cavalhada era elemento ilustre nas festas religiosas ou políticas e guerreiras. Mesmo nas vésperas de São João havia desfile de que fala um documento da Câmara de Coimbra, citado por Viterbo, aludindo em 1464, à cavalhada na véspera de São João com sino e bestas muares. No Brasil aparecem desde o século XVII com as características portuguesas. (CÂMARA CASCUDO,1972).

Esse autor registra o termo “cavalhada” referindo-se a desfile a cavalo, corrida de cavaleiros, jogo das canas, jogo de argolinhas ou de manilha (CÂMARA CASCUDO,1972). Estes jogos foram um produto do feudalismo e da cavalaria, como afirma GRIFI (1989), ao referir-se às atividades esportivas do medievo, período em que os jogos cavalheirescos se destacavam entre as manifestações atléticas e esportivas.

Ao descrever as distrações na Idade Média, Oliveira Marques ensina que, uma vez a cavalo, o nobre medieval podia entrega-se a uma série de exercícios desportivos. Desses, os mais vistosos e conhecidos eram sem dúvida as justas e os torneios, embora seja difícil distinguí-los. Em princípio, a justa travava-se entre duas pessoas, enquanto o torneio assumia foros de contenda múltipla.

No dizer de GRIFI (1989), a “giostra” era disputada somente entre dois cavaleiros, diferente do torneio que era combate em times. Eram usadas “armas corteses”, isto é, armas desapontadas ou cobertas por uma defesa. O confronto consistia de uma corrida a cavalo de um contra o outro, lança em riste, com o objetivo de desequilibrar o adversário, melhor ainda, de fazer cair, ao mesmo tempo, cavalo e cavaleiro.

Em torno do século XIV espalhou-se o mau costume de usar lanças ou armas desapontadas. Variante das justas eram as chamadas canas. Em vez de lanças, os jogadores, a cavalo, serviam-se de canas pontiagudas com que se acometiam. O jogo possuía as suas regras, evidentemente muito diferentes das que regiam os torneios. Popularíssimos no fim da Idade Média mostrava-se espetáculo quase obrigatório nos festejos públicos, ao lado das justas e das touradas.

O jogo das canas, de antiga tradição nacional, continuou em uso, nos séculos XVII e XVIII, com grande aparato e luzimento, quando nele intervinham pessoas da alta nobreza. Da cavalaria medieval, que durante longo tempo conservou a tradição dos exercícios viris da antiga efebia e cuja decadência foi um dos consectários do aperfeiçoamento das armas, ficou em Portugal, de onde veio para o Brasil com os primeiros Governadores, o gosto pelo jogo das canas.
As cavalhadas constituíram nos tempos coloniais e no Império um atraente exercício. Embora quase privativo dos jovens afortunados. Ao povo habituado à pasmaceira elas valeram por oferecerem espetáculos ou, como Fernando Azevedo escreveu, ‘memoráveis torneios de opulência aristocrática’.

Será preciso distinguir as cavalhadas que os mancebos ricos disputavam daqueles outros jogos que no Rio de Janeiro foram conhecidos como o jogo das manilhas e em tantos outros cantos do país com o jogo das argolinhas.

A argolinha é encontrada desde o século XV em Portugal e, de acordo com GRIFI (1989), a corrida dall’anello – corrida do arco – consistia de corrida a cavalo, lançado a galope, durante as quais os cavaleiros deviam enfiar a lança ou a espada em um arco suspenso. Vencia quem conseguia enfiar o maior número de arcos.

No Brasil, desde o século XVI se corre a argolinha, e chegou a estender-se até meados do século XIX. MARINHO (s.d.) refere-se a uma cavalhada realizada em abril de 1641, no Recife. Portugal estava sob o domínio da Espanha e esta em guerra com a Holanda. Os holandeses haviam invadido o Brasil quando sobreveio a trégua entre estes e os espanhóis, a qual, naturalmente, se estendeu às colônias. Para festejá-la, foram organizados torneios eqüestres em que portugueses e brasileiros competiram contra holandeses. Já CÂMARA CASCUDO (1972) registra uma encamisada realizada em março desse mesmo ano, no Rio de Janeiro, por ocasião da aclamação de D. João IV.

Foram encontradas provas de que, além de em São Luís, também em Alcântara se realizavam essas cavalhadas, não havendo informações de até quando foram praticadas no Maranhão.

Para LOPES (1975), nesses torneios do tempo colonial os corcéis eram árdegos, de viçosa estampa e traziam arreios de preço. Os cavaleiros e seus ‘peões’ vestiam com esmero trajes de cores vivas e os primeiros, montados à gineta ou bastarda, exibiam a sua destreza na arte nobre de bom cavalgar.
Além dos encamisados, jogaram, decerto, a cana e a argolinha (LOPES, 1975).

Concluindo, encontramos no Maranhão, ainda no Século XVII, como parte da herança cultural portuguesa, além das danças e comédias representadas no adro das igrejas, o entrudo e as cavalhadas, estas sob as formas de encamisadas, do jogo das canas e do jogo das argolinhas.

É a argolinha a primeira “manifestação esportiva” praticada por brancos em terras maranhenses, pois possuía caráter competitivo, como registra Frei Manuel Calado (citado por CÂMARA CASCUDO, 1972), referindo-se à mais famosa corrida realizada no Brasil, promovida por Maurício de Nassau, em janeiro de 1641 – ou abril, conforme MARINHO (s.d.) -, por ocasião da aclamação de D. João IV. Foi vencida pelos portugueses.

BIBLIOGRAFIA

CÂMARA CASCUDO, Luís da. DICIONÁRIO DO FOLCLORE BRASILEIRO. 3a. ed. atual. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1972.
GEBARA, Ademir. Considerações para a história do lazer no Brasil. in BRUHNS, Heloísa Turini. (org). Introdução aos estudos do lazer. Campinas: Unicamp, 1997, p. 61 -81
GEBARA, Ademir. “O tempo na construção do objeto de estudo da história do esporte, do lazer e da educação física”. Grupo de História da Educação Física, Esporte e Lazer, FEF/UNICAMP. http://www.unicamp,br/fef/gehefel/texto-Gebara-2.txt. >. (26/06/98).
GRIFI, Giampiero. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA E DO ESPORTE. Porto Alegre: D.C. Luzzatto, 1989.
Le GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp, 1992
LOPES, Antônio. Meios de transporte na ilha de São Luís. in LOPES, Antônio. DOIS ESTUDOS MARANHENSES. São Luís: Fundação Cultural do Maranhão, 1975, p. 45-58.
MARINHO, Inezil Penna. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL. São Paulo: Cia. Brasil Ed.(s.d.).
MEIRELES, Mário M. HISTÓRIA DA ARQUIDIOCESE DE SÃO LUÍS DO MARANHÃO. São Luís: UFMA/ SIOGE, 1977.
VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. Primeiras manifestações do lúdico e do movimento no Maranhão Colonial. in SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, XVIII, São Caetano do Sul-SP, outubro de 1992. ANAIS… São Caetano do Sul: CELAFISCS: UNIFEC, 1992, p 27.
VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. Primeiras manifestações do lúdico e do movimento no Maranhão Colonial in ONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, VIII, Belém-Pa, setembro de 1993. ANAIS… . Belém: UFPA, 1993, p 137.
VIEIRA E CUNHA, Manuel Sérgio; FEIO, Noronha. HOMO LUDICUS – ANTOLOGIA DE TEXTOS DESPORTIVOS DA CULTURA PORTUGUESA. vol. 2. Lisboa: Compendium, (s.d.).

Fechar