Uma criança de um ano e três meses faleceu em setembro na cidade de Caucaia, região metropolitana de Fortaleza, vítima de meningoencefalite amebiana primária, uma infecção rara causada pela ameba Naegleria fowleri, conhecida como “ameba comedora de cérebro”. O diagnóstico foi confirmado por exames laboratoriais concluídos recentemente, e este é apenas o segundo caso registrado no Brasil — o primeiro ocorreu na década de 1970, em São Paulo.
Como o caso ocorreu
Os sintomas começaram em 12 de setembro, quando a criança apresentou febre e dor de garganta, inicialmente confundidos com amigdalite ou virose. Após piora no quadro, com vômitos e sinais neurológicos como irritabilidade e sonolência, ela foi encaminhada ao hospital Albert Sabin, mas não resistiu e faleceu no dia 19 de setembro, sete dias após os primeiros sintomas.
A causa exata da morte foi descoberta após uma necrópsia realizada pelo Serviço de Verificação de Óbito (SVO). Amostras do encéfalo foram enviadas ao Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, que confirmou a presença da Naegleria fowleri por meio do teste de PCR. O protozoário também foi detectado na água de uma cisterna abastecida por um açude na comunidade onde a criança vivia, e acredita-se que a infecção tenha ocorrido durante o banho, quando a água contaminada foi inalada.
Ação preventiva e alerta nacional
Após o incidente, o Ministério da Saúde emitiu um alerta de evento nacional e implementou medidas emergenciais, como a aplicação de pastilhas de cloro na água da região, substituição dos sistemas de abastecimento no assentamento e reuniões com a comunidade para orientar sobre desinfecção de reservatórios.
Sobre a Naegleria fowleri
A Naegleria fowleri é uma ameba que vive em águas doces e quentes, como lagos, açudes e fontes termais. A infecção ocorre exclusivamente pelo nariz, quando a água contaminada é inalada, geralmente durante mergulhos. O protozoário migra pelo nervo olfatório até o cérebro, causando destruição do tecido cerebral e inflamação das meninges, o que justifica o apelido “ameba comedora de cérebro”.
Segundo o biólogo Danilo Ciccone Miguel, professor da Unicamp, beber água contaminada não causa infecção, já que o protozoário não sobrevive ao ambiente ácido do sistema digestivo. No entanto, crianças são mais suscetíveis por passarem mais tempo em atividades recreativas em água e terem menos controle da respiração ao submergir.
Incidência e desafios no diagnóstico
Apesar de rara, a doença é subnotificada. Ivo Castelo Branco, infectologista da Universidade Federal do Ceará (UFC), relata que outros casos podem ter ocorrido no Brasil sem o devido registro, especialmente antes da implementação de testes mais avançados, como o PCR. Além disso, a rápida progressão da doença e sintomas semelhantes a outras condições dificultam o diagnóstico.
Ciccone aponta que países como Estados Unidos e México têm registrado mais casos, possivelmente devido ao aquecimento global, que eleva a temperatura das águas e ativa o protozoário. Ele alerta para a necessidade de maior atenção ao diagnóstico e prevenção, especialmente em áreas de risco.
Cuidados
Embora seja uma condição rara, Ciccone e Castelo Branco destacam alguns cuidados essenciais para evitar essa infecção:
- Certifique-se de que a água utilizada para banho seja devidamente tratada, com aplicação de cloro;
- Evite utilizar água de fontes desconhecidas ou não tratadas, especialmente em regiões sem saneamento básico adequado;
- Ao nadar em lagos e açudes ou piscinas em que não se tem certeza se foram tratadas, use prendedores nasais ou evite entrar com a cabeça debaixo da água;
- Não faça lavagem nasal com água da torneira, utilize somente água esterilizada, fervida ou soro fisiológico;