O ano letivo de 2025 começa com uma mudança significativa nas escolas paulistas: a proibição do uso de celulares por estudantes de toda a educação básica, tanto em sala de aula quanto nos intervalos e atividades extracurriculares. A medida, que já vinha sendo adotada por algumas instituições antes da regulamentação, gera benefícios e desafios para a comunidade escolar.
Uma reportagem da TV Folha ouviu alunos que vivenciaram essa transição antes da nova legislação, além de educadores e especialistas, para entender os efeitos práticos da proibição dos smartphones no ambiente escolar.
O desafio da adaptação e a importância do diálogo
Diretores de escolas públicas e particulares enfatizam que a implementação da medida exige diálogo e envolvimento de alunos e famílias. O diretor da Escola Estadual Professor Antônio Emílio Souza Penna, na zona norte de São Paulo, Luiz Carlos Teodoro Junior, defende um processo gradual de adaptação.
“Precisamos fazer um ‘desmame’ do celular, apresentando outras alternativas aos estudantes e criando espaços de diálogo entre eles, seus familiares, gestores e professores. A ideia não é simplesmente proibir, mas explicar os motivos e tornar a regra compreensível para todos”, afirma.
A educadora Cisele Ortiz, coordenadora-adjunta do Instituto Avisa Lá, reforça que os limites impostos aos jovens devem ser acompanhados de um entendimento sobre o propósito da restrição. “Não é uma proibição pela proibição. Precisamos negociar com crianças e adolescentes, explicar o impacto do tempo de tela, discutir as finalidades do uso do celular e ajudá-los a fazer escolhas mais conscientes”, destaca.
Primeiras experiências e mudanças no comportamento dos alunos
A Escola Castanheiras, em Santana de Parnaíba (SP), proibiu os celulares no início de 2024 e já observa os resultados da medida. A diretora da instituição, Claudia Siqueira, conta que a decisão gerou apoio de muitas famílias, mas também resistência inicial por parte de alguns alunos.
“Houve estudantes que tentaram burlar a regra nos primeiros dias. Mas, aos poucos, perceberam que a restrição era para valer e começaram a explorar outras alternativas. Criamos novas opções para os recreios, como jogos de tabuleiro, cordas e bolas para incentivar a interação”, relata Siqueira.
O impacto no comportamento dos alunos foi imediato: com mais atividades físicas, a enfermaria da escola passou a receber um número maior de crianças e adolescentes com pequenos machucados. “É melhor um joelho ralado do que jovens ansiosos e isolados no celular”, brinca a diretora.
Menos telas, mais interação e desenvolvimento infantil
O pediatra Paulo Telles, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, reforça que a proibição pode ter efeitos positivos no desenvolvimento infantil. Segundo ele, nos últimos anos, os hospitais registraram uma queda no número de atendimentos ortopédicos infantis, pois as crianças estão brincando menos e permanecem mais tempo nas telas.
“Não parece grave, mas é preocupante. As crianças precisam correr, cair e levantar. Essas experiências são essenciais para um desenvolvimento motor e cognitivo saudável”, afirma o médico.
Estudantes relatam resistência inicial, mas percebem benefícios
Para os alunos, a adaptação à nova regra não foi fácil. Uma estudante chegou a cogitar trocar de escola quando soube da proibição. No entanto, muitos admitiram que, com o tempo, perceberam melhorias no aprendizado e na interação social.
“Antes, todo mundo ficava no celular. Agora, as conversas e as brincadeiras voltaram. Até as aulas ficaram mais produtivas”, relatou um aluno.
O papel da tecnologia na educação
A deputada estadual Marina Helou (Rede), autora do projeto de lei que resultou no banimento dos celulares nas escolas paulistas, reforça que a iniciativa não é contra a tecnologia, mas sim uma tentativa de regular o uso excessivo.
“A tecnologia pode ser uma grande aliada da educação. O problema é que não estamos vendo os alunos aproveitarem esses recursos para aprendizado. No recreio, eles não estão explorando museus virtuais ou pesquisando ciência, mas sim rolando vídeos no TikTok sem parar”, argumenta a deputada.
O pediatra Paulo Telles alerta que o uso excessivo de redes sociais impacta diretamente o cérebro, incentivando o consumo contínuo de conteúdos rápidos e superficiais. “As big techs utilizam a neurociência para estimular a liberação de dopamina, criando um ciclo vicioso. A sociedade precisa entender esse mecanismo e debater como responsabilizar essas empresas pelos danos que estão causando, principalmente às crianças e adolescentes”, conclui.