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Advogados afirmam que STJ extrapola CPC e gera insegurança jurídica ao recusar pedido de desistência

O caso tratou da condenação do WhatsApp a indenizar uma usuária que teve fotos íntimas publicadas por terceiro sem sua autorização.

Fonte: Da redação com Conjur

Ao recusar um pedido de desistência de recurso fora das hipóteses previstas no Código de Processo Civil (CPC), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) abre um precedente que pode gerar insegurança jurídica e permitir decisões discricionárias que extrapolam os limites da lei. Essa é a visão de advogados consultados sobre o caso em que a 3ª Turma do STJ rejeitou o pedido de desistência feito pelo Facebook em um recurso contra a condenação imposta ao WhatsApp.

Por três votos a dois, o colegiado decidiu que a desistência poderia ser recusada porque o tema em questão, de alta relevância social, ainda não possuía jurisprudência consolidada no STJ devido a sucessivos pedidos de desistência formulados pela empresa de tecnologia. O caso envolvia a condenação do WhatsApp ao pagamento de indenização para uma usuária que teve fotos íntimas divulgadas por terceiros sem sua autorização. A empresa alegou que não poderia remover o conteúdo, pois as mensagens são criptografadas de ponta a ponta.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, apontou indícios de fórum shopping, uma estratégia na qual um litigante busca levar a causa para um tribunal ou colegiado que lhe seja mais favorável. No entanto, o artigo 998 do CPC garante ao recorrente o direito de desistência do recurso sem a necessidade de anuência da parte contrária, exceto em casos de repercussão geral, no Supremo Tribunal Federal (STF), ou em recursos repetitivos no STJ, quando se fixa uma tese jurídica vinculante.

Para o constitucionalista Lenio Streck, a decisão do STJ levanta uma questão constitucional relevante, pois compromete a natureza dispositiva do processo civil. Segundo ele, negar a desistência com base no interesse público sem uma fundamentação jurídica sólida equivale a um ativismo judicial que extrapola as prerrogativas do tribunal. “O recurso especial pertence às partes diretamente envolvidas no litígio e não ao Estado ou a um conceito abstrato de ‘interesse público’. Para invalidar o artigo 998 do CPC, o STJ precisaria fundamentar essa decisão dentro da jurisdição constitucional. Sem isso, acaba por reescrever normas sem o devido processo de controle”, argumenta.

O advogado José Miguel Garcia Medina também critica a posição do tribunal, destacando que a decisão gera insegurança jurídica, pois cria incerteza sobre quando o STJ permitirá a desistência de recursos. Ele sugere que, caso o tema tivesse grande relevância, o tribunal poderia ter suscitado um incidente de assunção de competência (IAC), permitindo que a 2ª Seção fixasse uma tese vinculante sobre a matéria. Isso teria um caráter mais qualificado do que simplesmente rejeitar o pedido de desistência.

A 3ª Turma do STJ já tentou uma abordagem semelhante em 2023, quando afetou um recurso para a Corte Especial para discutir se as partes podem desistir dele mesmo quando o caso já está pautado para julgamento. No entanto, meses depois, o recurso foi desafetado e a desistência foi homologada, o que gerou um debate interno e levou os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro a divergirem da proposta da relatora.

Rodrigo Forlani Lopes, especialista em Processo Civil, avalia que a recusa da desistência pode ser vista como uma restrição indevida à autonomia das partes, violando princípios como voluntariedade e disponibilidade. Além disso, a falta de previsão expressa no CPC para essa recusa pode abrir precedentes para decisões discricionárias, ampliando a margem para ativismo judicial.

Marcello Vieira de Mello, especialista em Direito Empresarial, admite que decisões judiciais podem ter impactos além das partes envolvidas, tornando a jurisprudência mais previsível e ágil. No entanto, ele alerta que esse objetivo não pode ser alcançado às custas da supressão de direitos processuais. “O direito de desistir de um recurso está expressamente previsto no CPC. Impedir que uma parte o exerça, como fez o STJ, é violar a garantia constitucional do devido processo legal”, afirma.

Essa referência ao devido processo legal foi feita pela própria 3ª Turma em 2022, quando concluiu que o tribunal não pode indeferir pedidos de desistência, pois isso criaria uma espécie de “remessa necessária” fora das hipóteses previstas no CPC. A remessa necessária é um mecanismo pelo qual determinados casos devem ser obrigatoriamente reexaminados em segunda instância, geralmente quando envolvem a União, estados, municípios ou suas autarquias.

Em contrapartida, o STJ tem precedentes em que a desistência foi negada porque o julgamento já havia começado ou porque havia suspeitas de manipulação da pauta processual. Nesse contexto, a decisão recente reacende o debate sobre a linha tênue entre a busca por segurança jurídica e o respeito às garantias processuais das partes envolvidas.

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