Entrevista com: Eduardo Valias
Foto: Bela Magrela
A gestão de pessoas no agronegócio tem se consolidado como um dos maiores desafios enfrentados pelo setor, especialmente diante das rápidas mudanças nas gerações de trabalhadores e da demanda de mão de obra qualificada. Neste contexto, Eduardo Valias, referência na área, compartilha sua experiência de quase trinta anos ajudando a formar equipes de alta performance em diversos contextos. Durante uma conversa com a Scot Consultoria, ele aborda a crescente rotatividade de funcionários e as estratégias para transformar esse cenário. O especialista também falou sobre a importância da capacitação contínua e o papel da cultura organizacional nas fazendas.
A entrevista também antecipa o que os produtores podem esperar da oficina sobre gestão de pessoas no Encontro de Confinamento e Recriadores, da Scot Consultoria, que ocorrerá entre os dias 8 e 11 de abril, em Ribeirão Preto e Barretos, São Paulo.
Scot Consultoria: Eduardo, a gestão de pessoas é um dos maiores desafios do agronegócio, você se tornou uma referência nesse campo, como foi a sua trajetória?
Eduardo Valias: São quase 30 anos liderando pessoas e ajudando a construir equipes de alta performance, desde a fazenda até uma grande multinacional, onde estive por 11 anos em carreira de liderança, inclusive ocupando diretoria de negócios. Porém, minha base vem da infância, assistindo meu avô conduzindo negócios agropecuários e meu pai (genro desse avô) exercendo liderança em várias áreas.
Scot Consultoria: O agronegócio tem enfrentado um desafio crescente de “apagão da mão de obra”. Como esse problema surgiu e quais estratégias podem ser adotadas para contorná-lo?
Eduardo Valias: O agronegócio tem por característica os ciclos longos de liderança. Um produtor rural fica muitos anos à frente dos negócios, e geralmente, não se aposenta. Assim a sucessão é lenta e o perfil do mercado, historicamente, é mais conservador. Até pouco tempo, as mudanças eram muito brandas, se compararmos com o que vivemos na atualidade. Com isso, os sistemas de produção eram estáveis quanto à mão de obra, e invariavelmente concentravam esforços em atualizar genética, maquinários, sementes etc., em detrimento de um foco nas pessoas.
Com o surgimento da internet e das redes sociais, as pessoas passaram a conhecer mais, comparar mais, aparecer mais e a ter onde buscar uma vida que condiz com os anseios das novas gerações, que são muito diferentes das gerações anteriores, fruto da adoção das tecnologias e da comunicação. Olhando então, o pai, trabalhador rural, de lida mais dura e menos remunerada, muitos passaram a buscar alternativas. Outro ponto importante foi a urbanização do país. Hoje, mais de 86,0% da população vive nas cidades.
Neste cenário, a principal estratégia na qual acredito é a profissionalização dos negócios, através do entendimento da cultura daquela fazenda e como a cultura, embalada pela gestão, pode fazer dela uma “fazenda desejável” para os profissionais que ela precisa. Isso passa por qualidade das residências, acessibilidade, infraestrutura básica – e, hoje, a internet faz parte disso –, remuneração adequada e um bom plano de retenção, com estrutura de participação nos lucros ou bonificações, por exemplo.
Mas tudo isso dará certo se houver um bom ambiente de trabalho, onde as pessoas se sintam parte do todo, recompensadas financeiramente e reconhecidas pessoalmente pelo trabalho que fazem e pelo papel que desempenham.
Scot Consultoria: Com a evolução do setor, a demanda por mão de obra especializada aumentou, impulsionando os gestores a investir em treinamentos. Na sua opinião, qual é a principal diferença entre uma equipe que recebe apenas treinamento e uma equipe que é verdadeiramente capacitada?
Eduardo Valias: Tenho repetido por onde passo que treinamento é uma parte da capacitação. Há um modelo muito eficaz de aprendizagem para adultos, conhecido como 70/20/10, que significa que o aprendizado depende em 10,0% da teoria, treinamentos formais, aulas e palestras; 20,0% do aprendizado vem do “aprender com outros, mais experientes, e na prática”; e 70,0% se aprende fazendo. Mas será que estamos permitindo que o “outro” use seu tempo também para ensinar? Estamos permitindo que, nos 70,0% as pessoas errem e aprendam com os erros? E os 10,0%, são os temas certos, em momentos adequados, ou são apenas eventos para cumprir alguma certificação e colocar os certificados na parede?
Scot Consultoria: Como você enxerga a relação entre a alta rotatividade nas equipes e os impactos na produtividade e nos custos operacionais no agronegócio? Quais estratégias você considera eficazes para contornar esse problema?
Eduardo Valias: Há uma imensa mudança de comportamento, marcadamente com a chegada da “geração Z” ao mercado de trabalho. São jovens com conceito de vida baseado na liberdade, inclusive geográfica, que não possuem os mesmos sonhos de consumo das gerações anteriores, como bens duráveis, carros, casas. São mais atraídos pela experiência que possam “curtir” em cada momento da vida, em conhecer novos lugares, novos hábitos e novas pessoas, ou seja, viver na realidade, o que acompanham nas redes sociais.
Isto posto, não tenho a expectativa de redução do turnover. Pelo contrário, incentivo os produtores a se prepararem para ele, seja com o máximo de automatização possível, com visibilidade atrativa nas redes sociais, onde há um espaço imenso para as fazendas se posicionarem; associação com escolas técnicas e universidades; enfim, criar um ambiente motivador para que as pessoas que queiram trabalhar na atividade tenham onde buscar.
E para os talentos que precisam ser mantidos, um plano robusto e claro de retenção, que atenda às expectativas sem prejudicar a gestão e os resultados. Trata-se da profissionalização da gestão de pessoas, desde a contratação até a demissão ou retenção.
Scot Consultoria: A gestão de pessoas será um dos temas das oficinas do nosso evento – Encontro de Confinamento e Recriadores –, que acontecerá de 8 a 11 de abril. O que os produtores podem esperar desse evento e qual é a sua expectativa em relação à oficina sobre esse tema?
Eduardo Valias: Os produtores podem esperar discussões práticas, muitas vezes polêmicas, como devem ser tratados todos os assuntos que, por algum motivo, se tornam paradigmas cotidianos. Teremos exemplos que trazem para a prática a base teórica fundamental, pois não é um assunto simples, e, como tal, deve ser tratado com competência e discernimento. Minha expectativa é facilitar o entendimento de todos, para que possam contribuir uns com os outros e possamos sair do evento com pelo menos 30,0% (10,0% de conceito e 20,0% de experiência) bem sedimentados, para que todos possam exercitar e implantar os 70,0% “on the job”.