A Polícia Federal indiciou a juíza Alice de Sousa Rocha e o juiz Cristiano Simas de Sousa por corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação 18 Minutos, que investiga fraudes na liberação de alvarás judiciais milionários em processos envolvendo o Banco do Nordeste. A investigação aponta que os magistrados autorizaram pagamentos indevidos a um advogado e receberam valores de origem suspeita em suas contas bancárias.
Decisões suspeitas e liberação milionária de recursos
O caso teve início em 2015, quando a então titular da 5ª Vara Cível de São Luís, juíza Alice Rocha, autorizou o pagamento de R$ 14 milhões ao advogado Francisco Xavier de Sousa Filho, referente a honorários advocatícios. A decisão foi tomada em apenas dois dias, mesmo com o processo tramitando há 20 anos e possuindo mais de 1.400 páginas. Além da celeridade incomum, a magistrada ignorou os cálculos da contadoria judicial, que apontavam um saldo remanescente de R$ 490 mil, equivalente a apenas 3,5% do valor liberado.
Sete anos depois, em 2022, a juíza determinou a penhora de mais R$ 4,8 milhões do Banco do Nordeste em outro processo, novamente sem encaminhar os autos para a contadoria do Tribunal de Justiça do Maranhão. Pouco tempo depois, seu substituto na 5ª Vara Cível, juiz Cristiano Simas de Sousa, expediu um novo alvará no valor de R$ 3,4 milhões, que foi sacado pelo advogado em um tempo recorde de 18 minutos – tempo que deu nome à operação da PF.
A análise das movimentações financeiras da juíza revelou 55 depósitos sem identificação de origem, totalizando R$ 235 mil entre 2014 e 2023. Além disso, a PF identificou que R$ 1,2 milhão do patrimônio da magistrada não tem lastro financeiro. Já na conta do juiz Cristiano Simas, foram identificados depósitos de R$ 660 mil, muitos deles realizados pelo próprio magistrado em datas próximas à expedição do alvará milionário contra o Banco do Nordeste.
Apreensões e mensagens suspeitas
Durante buscas na residência do juiz Cristiano Simas, a PF apreendeu R$ 48 mil em dinheiro vivo e 5 mil euros em espécie (equivalente a cerca de R$ 30 mil). Além disso, conversas recuperadas de celulares apreendidos reforçaram as suspeitas de corrupção.
Mensagens entre Eliana Souza, esposa do advogado Francisco Xavier, e seu filho, Fabrício Antônio Ramos Souza, fazem referência a pagamentos supostamente destinados aos magistrados. Em um dos diálogos, Fabrício menciona processos contra o Banco do Nordeste e diz: “Esse é do dinheiro do Cristiano Simas” e “Esse é do Guerreiro” – referência ao desembargador Antônio Pacheco Guerreiro Júnior, também indiciado no esquema. Em outra conversa, ele afirma que o juiz já havia despachado porque estava “interessado” e que “vai ficar até sexta-feira”.
Outro trecho das conversas obtidas pela PF menciona explicitamente o nome Alice, que os investigadores acreditam se referir à juíza. Fabrício afirma: “Já saiu a publicação hoje. É o que eu pedi ontem. A gente tem 48 horas para depositar o da Alice”. A defesa da magistrada, no entanto, argumenta que não há menção ao sobrenome e classificou a citação como “mera ilação sem fundamento”.
Indiciamentos e consequências
A Operação 18 Minutos resultou no indiciamento de três desembargadores: Nelma Celeste Souza Silva Sarney Costa, Antônio Pacheco Guerreiro Júnior e Luiz Gonzaga Almeida Filho, além dos juízes Alice Rocha e Cristiano Simas. A PF atribui ao grupo os crimes de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
O relatório final da investigação, com 174 páginas, foi enviado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) no dia 6 de fevereiro e está sob a relatoria do ministro João Otávio de Noronha. O documento conclui que a juíza Alice Rocha atuou dolosa e fraudulentamente na tramitação dos processos, recebendo valores indevidos em troca de decisões favoráveis ao advogado Francisco Xavier.
Em nota, a defesa da magistrada alegou que ela é alvo de “precipitadas ilações” e garantiu que demonstrará a “total lisura” de sua atuação. Segundo os advogados da juíza, a liberação do alvará em 2015 ocorreu dentro dos trâmites legais, uma vez que o processo já se arrastava por três décadas e não havia nenhuma ação rescisória que impedisse a execução.
A investigação segue no STJ, onde os magistrados podem enfrentar processos disciplinares e até perda dos cargos caso as denúncias sejam confirmadas.
O que diz a defesa da juíza Alice de Sousa Rocha
“A Defesa da Magistrada Alice Rocha informa que, somente agora com a disponibilização dos documentos que embasaram as imputações da autoridade policial, poderá exercer plenamente seu direito de defesa, através do qual demonstrará, de forma categórica, os desacertos de todas as precipitadas ilações formuladas contra a magistrada.
Sobre a decisão que culminou na emissão do alvará, reitera que esta se deu no bojo de uma execução definitiva, após três décadas de tramitação, sem qualquer causa suspensiva ou ação rescisória que pudesse interferir no curso normal do processo, sendo, pois, ato jurisdicional previsto em lei processual, a qual o magistrado tem atuação vinculada. Tal ato, aliás, foi escrutinado oportunamente pelo CNJ que corroborou sua como ato absolutamente regular.
Portanto, a Defesa reafirma sua confiança plena na Justiça e na escorreita apuração e segregação dos fatos, atestando que provará a inocência da magistrada nos autos do processo em curso, demonstrando a total lisura de sua atuação como juíza nesse caso, lisura essa que sempre pautou sua atuação profissional ao longo de décadas de exercício da magistratura.”
O que diz a defesa do Banco do Nordeste
“O Banco do Nordeste esclarece que a Operação 18 minutos originou-se de representação, pelo BNB, na condição de vítima, junto ao Conselho Nacional de Justiça e à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Maranhão, em face das reiteradas decisões arbitrárias contra a instituição no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. O BNB avalia continuamente as medidas cabíveis para a defesa de seus interesses institucionais, dos recursos sob sua administração e de seu patrimônio, adotando as providências jurídicas necessárias no tempo oportuno, em consonância com as orientações técnicas e institucionais.”