A tornozeleira eletrônica, criada para monitorar pessoas em progressão de pena, é um instrumento importante, mas seu uso não pode ser desvirtuado para aliviar a superlotação do sistema carcerário. O alerta é do delegado Frederico Murta, titular da Gerência de Operações Especiais (GOE) da Polícia Civil de Mato Grosso.
Em entrevista ao videocast PodOlhar, do site Olhar Direto, Murta criticou a aplicação indiscriminada do dispositivo. “Ela não pode ser banalizada. Hoje, se não há espaço para colocar o preso, colocam uma tornozeleira nele e o soltam. Muitas vezes, são pessoas que já foram presas cinco, seis, sete vezes e que vão continuar delinquindo. Elas podem romper a tornozeleira, deixá-la descarregar e seguir cometendo crimes”, explicou.
O delegado destacou que o uso inadequado da tornozeleira pode gerar um efeito negativo na sociedade, especialmente entre jovens e crianças, que podem se espelhar na imagem de poder transmitida por criminosos que usam o dispositivo em locais públicos.
“É a bandidolatria. Na periferia, onde as pessoas convivem com essa realidade, veem um criminoso com carro bom, celular caro, namorada, bolso cheio de dinheiro e uma tornozeleira. Para uma criança, ele se torna um ídolo, um exemplo a ser seguido”, afirmou Murta.
Crime organizado e inversão de valores
Murta também chamou atenção para o fato de que, em comunidades carentes e desassistidas pelo Estado, o crime organizado se aproveita da situação para criar uma “rede de proteção”. Essa dinâmica, segundo ele, reforça uma lógica de “inversão de valores”, na qual criminosos são vistos como heróis ou modelos de sucesso.
“O crime organizado supre necessidades básicas que o Estado não consegue atender. Ele oferece comida, assistência e até proteção, mas não por bondade: é uma forma de comprar lealdade e garantir que as pessoas se identifiquem com ele. Isso faz com que os moradores admirem cada vez mais quem vive no crime”, explicou o delegado.
Para Murta, é essencial que o Estado atue de forma mais efetiva nessas regiões, oferecendo oportunidades e serviços básicos para evitar que o crime organizado se fortaleça. “Enquanto o Estado não estiver presente de forma consistente, o crime continuará se aproveitando dessa lacuna para ganhar espaço e influência”, concluiu.
O debate sobre o uso da tornozeleira eletrônica e seus impactos sociais segue em pauta, especialmente diante dos desafios de segurança pública e do combate ao crime organizado no país.