Em um mundo em que o problema de insegurança alimentar está presente em 1/3 da população mundial, o desperdício de alimentos é tema de suma importância para discutir e gerar soluções. Por desperdício de alimentos entende-se o descarte de produtos que são aptos e seguros para o consumo, mas foram perdidos ao longo do trajeto “campo ao consumidor final”. Portanto, não são contabilizadas as perdas dos alimentos ainda impróprios para consumo devido a pragas, doenças ou intempéries climáticas ainda na lavoura, ou ainda perda de alimentos em outras etapas, como danificação de embalagens durante o transporte. Cerca de 90% do desperdício dos alimentos ocorre nos processos pós-colheita. Com base nesses dados, qual é o papel do agro?
Estima-se que aproximadamente 1/3 dos alimentos produzidos no mundo é desperdiçado, o que representa cerca de 1,3 bilhão de toneladas por ano, segundo dados da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations, ou ainda Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Segundo esta, em 2023 cerca de 2,33 bilhões de pessoas estavam em situação de insegurança alimentar moderada ou grave. Assumindo que um adulto ingere (entre sólidos e líquidos) uma tonelada de alimentos por ano, se todo o alimento desperdiçado durante o ano fosse destinado para os que estão em situação de insegurança alimentar, o número de pessoas nessa triste condição seria reduzido para 1 bilhão. O que hoje corresponde a 28,9% da população global, diminuiria para um valor entre 10 e 15%.
Além do âmbito social, o desperdício de alimentos também influencia negativamente a esfera ambiental ao contribuir para a emissão de gases de efeito estufa (GEE). De acordo com a FAO, o desperdício de alimentos é responsável por 8% a 10% das emissões globais desses gases, enquanto setores marcados por altas emissões, como a aviação, tem 2%. Isso ocorre porque os alimentos descartados liberam metano na decomposição.
O desperdício de alimentos é um problema global presente em todas as etapas da cadeia produtiva, desde a produção no campo até o consumo final. Segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), ao longo do processo produtivo, o desperdício de alimentos no Brasil ocorre: no campo em 10% das vezes (1); no transporte e manejos logísticos em 50% (2); na comercialização e abastecimento em 30% (3); e nos supermercados, restaurantes e lares brasileiros nos 10% restantes (4).
Em cada uma das etapas, existem fatores que podem ser citados como causas e soluções ao desperdício de alimentos:
- Campo: muitas perdas nas atividades e o necessário investimento em tecnologias para melhorar a colheita e o armazenamento.
- Logística e transporte: como causas temos o acondicionamento inadequado, falta de refrigeração, embalagens inadequadas, as longas distâncias percorridas no Brasil e manuseio incorreto dos alimentos nos carregamentos e descarregamentos. Para solucionar, investimentos em infraestrutura de transporte e embalagens, adequação do transporte e treinamentos.
- Comercialização: a principal causa é o descarte de alimentos próprios para consumo, porém que são esteticamente indesejáveis, além do vencimento dos prazos de validade. Como solução, iniciativas sustentáveis para aproveitamento de produtos fora do padrão estético, descontos para produtos próximos do vencimento, entre outros.
- Consumidor final: consumidores que compram sem planejar, ou ainda não praticam o armazenamento adequado dos alimentos, questões de clima, de falta de refrigeração, entre outras. Campanhas de conscientização sobre compra e consumo responsáveis são imprescindíveis, incentivo à compostagem doméstica, reutilizando restos de alimentos orgânicos que podem ser transformados em compostos fertilizantes para plantas.
O combate ao desperdício de alimentos está diretamente ligado à luta contra a fome, e conforme falamos em outro artigo, o agro pode ser um grande aliado nessa missão. O agro pode adotar cada vez mais as sugestões deixadas neste texto para reduzir os desperdícios.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) da Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) e fundador da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em harvenschool.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves). Agradecimentos a Vinícius Cambaúva e Rafael Rosalino.