A Síria enfrenta uma de suas piores crises desde a destituição do ex-presidente Bashar al-Assad, há três meses. Conflitos violentos entre forças governamentais e grupos pró-Assad resultaram na morte de mais de mil pessoas, incluindo civis, soldados e militantes, nos últimos dias. A onda de ataques ocorre especialmente na região costeira do país, onde cristãos e alauítas foram alvo de massacres.
A escalada da violência marca um novo capítulo de instabilidade no país, que há mais de uma década vive um cenário de guerra civil. Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH), os combates tiveram início na última quinta-feira (6) e atingiram cidades como Jableh, Baniyas e Latakia, historicamente povoadas por minorias religiosas, incluindo cristãos e seguidores do alauísmo, um ramo do islamismo xiita ao qual Assad pertencia.
Ataques coordenados deixam rastro de destruição
Nas últimas 24 horas, centenas de cristãos e alauítas foram assassinados em ataques organizados. Segundo testemunhas, milícias armadas entraram em bairros habitados por essas comunidades e cometeram execuções em massa. Vídeos e fotos divulgados nas redes sociais mostram cenas de brutalidade, com corpos espalhados pelas ruas e dentro de casas. Em uma das gravações, mulheres lamentam a morte de ao menos 20 homens, que aparecem vestidos com roupas civis e aparentemente executados.
O cantor e ativista cristão Sean Feucht compartilhou as imagens e pediu orações para a igreja perseguida. Já o influenciador Hananya Naftali, de ascendência judaica, postou um vídeo com o relato de um sobrevivente, questionando o silêncio internacional diante do massacre.
“Famílias inteiras estão sendo despedaçadas enquanto o mundo assiste em silêncio”, declarou Naftali.
Diante do caos, mulheres e crianças cristãs, drusas e alauítas foram acolhidas pela Base Aérea de Hmeimim, que é controlada pela Rússia dentro do território sírio.
A ascensão do HTS e o colapso do regime de Assad
Desde novembro de 2024, a Síria passou por uma mudança radical no governo. O grupo extremista Hay’at Tahrir al-Sham (HTS), ligado à Al-Qaeda, lançou uma ofensiva inesperada e derrubou o governo de Assad, que fugiu para a Rússia. Desde então, o país é governado por Ahmed al-Sharaa, um membro do HTS que prometeu criar um Estado islâmico moderado e garantir direitos para todas as comunidades.
No entanto, os acontecimentos recentes levantam dúvidas sobre a capacidade do novo governo de manter a paz e controlar grupos extremistas que seguem ativos. Nos últimos dias, milícias pró-Assad se reagruparam e entraram em confronto direto com as forças governamentais. A cidade de Qardaha, berço da família Assad, se tornou palco de violentos embates, resultando em 200 mortes apenas naquela região.
A OSDH estima que 428 alauítas foram assassinados em retaliações, além de 745 civis mortos desde o início da crise. O número de combatentes pró-Assad mortos já ultrapassa 148.
A reação da comunidade internacional
Diante dos massacres, os líderes das três principais igrejas cristãs da Síria divulgaram um comunicado condenando a violência e pedindo um cessar-fogo imediato. A ONU também alertou para o risco de aumento da tensão sectária e pediu que o novo governo garanta a proteção de minorias religiosas e étnicas.
O Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, declarou que os Estados Unidos condenam os ataques contra cristãos, alauítas, drusos e curdos, expressando apoio às comunidades afetadas. Já o governo interino sírio enviou tropas para Latakia e outras regiões com o objetivo de conter os conflitos.
Na noite de sexta-feira (7), Ahmed al-Sharaa discursou afirmando que o novo governo não tolerará a violência sectária, mas também alertou que será preciso um período de transição para restaurar a ordem.
“Precisamos seguir adiante sem ódio. Mas se abrirmos mão de nossa moral, nos tornamos iguais ao nosso inimigo”, declarou o líder sírio.
Enquanto isso, milhares de civis fogem das zonas de conflito, buscando abrigo nas montanhas próximas. Relatórios indicam que a população cristã da Síria caiu drasticamente nos últimos anos e pode estar próxima de sua extinção no país.

O futuro incerto da Síria
A queda de Assad trouxe uma nova fase para a Síria, mas os eventos recentes mostram que a transição de poder não será pacífica. O grupo HTS busca consolidar seu governo e ganhar legitimidade internacional, mas enfrenta forte resistência de antigos aliados de Assad e de grupos extremistas rivais.
A guerra civil síria já deixou milhões de mortos e deslocados desde 2011, e a instabilidade atual pode prolongar ainda mais o sofrimento da população. Especialistas alertam que a situação ainda pode se agravar, com risco de novos massacres e perseguições a minorias religiosas.
O mundo observa a Síria mais uma vez mergulhar no caos, e a pergunta que fica é: há esperança para a paz nesse país devastado pela guerra?