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Democracia e ditadura no Brasil republicano

“ Para que haja democracia, de fato, precisamos evoluir, nesse sentido, com a formação de uma cultura política que bem compreenda e assimile o papel de governos e sociedade.

Fonte: Sergio Tamer, professor e advogado, é presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública - CECGP

Celebramos, neste mês, os 40 anos da posse de Tancredo e Sarney, eleitos pelo Colégio Eleitoral da época, ato que marcou o final do ciclo dos militares o qual havia se iniciado em 31 de março de 1964mediante uma ruptura institucional. Se somarmos o tempo da ditadura militar,instaurada naquele ano (21 anos), com a ditadura do Estado Novo (15 anos), vamos constatar a ocorrência de 36 anos de regime ditatorial explícito contra 99 anosintercalados de aparente normalidade institucional. Porém, a chamada fase da “Primeira República (15.11.1889 a 3.10.1930) que perdurou por 41 anos, não se pode dizer que foi precisamente democrática, pois ela se caracterizou por seu cunho autoritário e oligárquico, ou seja, com nítida preponderância do Executivo sobre os demais poderes. Mas, ainda assim, por questão de um ano, foi, até aqui, o período mais longo de estabilidade republicana, mediante a sucessão periódica de seus presidentes.

No entanto, boa parte desse período de “normalidade institucional” – e mesmo aquele que compreende os 41 anos da Primeira República, não passou de uma “democracia de fachada”, onde as eleições, com suas diversas fraudes e exclusão social, não garantiam a vontade da maioria  e onde, via de regra, os presidentes dispunham de tantos poderes que afrontavam o normal funcionamento do Congresso e do Judiciário. Levando em conta esse aspecto, vamos ter um período autoritário bem mais expressivo, diminuindo, por conseguinte, para um quadro quase insignificante, o lapso de tempo em que o Brasil republicano ostentou, de fato, um regime democrático, com harmonia e independência entre os poderes.

Assim é que tivemos a abominável prática que de tão generalizada ficou conhecida como “República oligárquica” a dominar toda a fase da primeira república, de 1889 a 1930, no seio da qual medrou, de forma irreversível, a corrupção eleitoral, tida como a sua mais importante mazela política. Os governos estaduais tinham a prerrogativa de nomear juízes substitutos, controlar atas eleitorais, transportá-las sem qualquer fiscalização, e de intimidar os adversários das mais diversas formas. Por sua vez as eleições regulares proporcionavam aos chefes políticos e às elites locais, que se perpetuavam nos cargos públicos, a garantia de “legítimo exercício do poder”, tudo obtido por meio de “eleições livres e democráticas”. Dentre os traços comuns das oligarquias, citadas por Edgard Carone, estão: “a presença de núcleos mais ou menos impermeáveis; lealdade para com os chefes políticos, reconhecidos como tais; controle das instâncias de decisão política e exclusão dos favores e benefícios a todos que não compuseram de forma efetiva esses núcleos.”

Ao avaliar os primeiros anos da república brasileira, Amaro Cavalcanti constatou, indignado, que “…o governo de muitos Estados não é, de maneira alguma, a delegação da vontade popular, mas uma espécie de patrimônio ou a presa exclusiva de certos indivíduos ou de um grupo, que o explora irresponsavelmente, em nome da sua autonomia de Estado federado! “

Expressões como “degola”,“cartorialismo”, “coronelismo”, “eleição a bico-de-pena”, mapismo” -, faziam parte da realidade política da “República Velha”, período em que as eleições tinham um sentido meramente homologatório. Porém, infelizmente, essas práticas políticas não ficaram restritas à primeira república! Ali consolidadas pelo seu largo uso, permaneceram sedimentadas em muitas áreas atrasadas do Brasil, bolsões de miséria a persistir com a manipulação eleitoral em suas diversas matizes, mais recentemente transmudadas para “voto de cabresto”, “curral eleitoral”, “clientelismo”, e outras mais. A dominação política dessas áreas pelo abuso do poder econômico-oligárquico tem desfigurado, até aos nossos dias, o sistema eleitoral, o que afeta, sobremaneira, o processo democrático, fato que tem possibilitado, como consequência, a reeleição sucessiva de figuras notórias, no âmbito das eleições proporcionais, dando azo, assim, à existência de uma autêntica plutocracia brasileira.  

Não se pode, assim, confundir “normalidade institucional” com plenitude democrática o que não retira, todavia, o mérito de termos atravessado, recentemente, 40 anos de governo civil, isto é, sem a ingerência ostensiva e política dos militares. Mas para que haja democracia, de fato, precisamos evoluir, nesse sentido, com a formação de uma cultura política que bem compreenda e assimile o papel de governos e sociedade.

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