Na era dos smartphones e do consumo constante de informação, rolar infinitamente o feed em busca de notícias ruins — prática conhecida como doomscrolling — tornou-se um comportamento cada vez mais comum e preocupante. Alimentado por algoritmos, design das plataformas e mecanismos psicológicos ancestrais de vigilância e autoproteção, esse hábito pode comprometer profundamente a saúde mental, alertam especialistas.
“Estamos programados para monitorar ameaças. Isso está no nosso DNA”, explica Angelica Mari, especialista em cyberpsicologia. Segundo ela, o cérebro humano interpreta o consumo de informações negativas como uma tentativa de se preparar para o pior. No ambiente digital, essa tendência natural é intensificada por estímulos incessantes e recompensas imprevisíveis, como curtidas, notificações e atualizações em tempo real. “É um ambiente muito propício ao doomscrolling”, afirma.
As plataformas digitais, com suas interfaces de rolagem infinita e conteúdo baseado em engajamento, reforçam o viés negativo do usuário. “Os algoritmos favorecem conteúdo de teor negativo porque esse tipo de informação gera mais engajamento. Isso cria um ciclo de retroalimentação: quanto mais você consome, mais é exposto”, completa Angelica.
Pessoas em situações de vulnerabilidade tendem a sentir os efeitos de forma mais intensa. “Se você já vive em um contexto de ameaça real e entra em um ambiente digital que amplifica esse viés, o impacto pode ser ainda mais profundo”, observa a especialista. No Brasil, esse fenômeno ganha contornos ainda mais preocupantes, já que o país está entre os líderes globais em tempo de uso de celular e em índices de dependência digital.
Os sinais de que o doomscrolling se tornou excessivo muitas vezes passam despercebidos. Procrastinação digital, sensação de perda de tempo, cansaço mental e comportamentos automáticos, como encher carrinhos de compras virtuais sem intenção real de compra, são indicativos de que algo não vai bem. “O algoritmo interpreta esse comportamento como interesse, o que reforça o ciclo destrutivo”, diz Angelica.
Outro sintoma correlato é a nomofobia — o medo irracional de ficar sem o celular — que, segundo a especialista, “anda de mãos dadas” com o doomscrolling. A exposição contínua a notícias negativas impacta não apenas a percepção de mundo, mas também o equilíbrio emocional. “Psicologicamente, o doomscrolling é um confronto com a sombra coletiva da humanidade. A pessoa acaba se envolvendo, mesmo que inconscientemente, com o lado mais sombrio da realidade”, afirma.
Para interromper esse ciclo, o primeiro passo é reconhecer o padrão. Angelica recomenda práticas que ajudem a reorientar a atenção: meditação, caminhada ao ar livre, leitura e momentos de desconexão. “Isso não significa se alienar, mas encontrar equilíbrio. O objetivo é transformar essa ansiedade em ação significativa”, reforça.
A especialista também destaca a importância da chamada higiene digital, que inclui o uso de ferramentas para limitar o tempo de uso das redes sociais. No Instagram, por exemplo, é possível definir um lembrete diário acessando o menu “Sua atividade” e selecionando a opção “Tempo de uso”. No TikTok, o controle está na seção “Bem-estar digital”, onde se pode personalizar um limite diário e até proteger as configurações com senha.
Para casos mais críticos, medidas mais drásticas, como desinstalar temporariamente os aplicativos ou migrar o uso para o desktop, podem ajudar. “A experiência em uma tela grande e sem notificações é diferente e pode reduzir o uso compulsivo”, observa Angelica.
No fim das contas, no entanto, a mudança depende da disposição individual. “Muitas pessoas têm conhecimento técnico para mudar esses padrões, mas a grande pergunta é: elas realmente querem mudar? É necessário refletir: quanto tempo você está deixando de dedicar ao que realmente importa?”, conclui.
Em tempos de excesso de informação e ansiedade coletiva, reconhecer os próprios limites e cultivar hábitos saudáveis de consumo digital tornou-se essencial — não apenas para preservar a saúde mental, mas também para retomar o controle sobre o próprio tempo e atenção.