O senador Weverton Rocha (PDT/MA) foi o que destinou a maior emenda para a ação genérica do Ministério da Integração, de R$ 23 milhões. O valor, segundo ele, deve ser aplicado no Maranhão, em obras e aquisição de caminhões, tratores, grades aradoras e carretas agrícolas. O parlamentar disse que enviará um ofício à pasta informando como e onde os recursos deverão ser gastos.
— Na hora de se tomar a decisão (sobre como o recurso será gasto) é que o deputado ou senador manda um ofício com sua opinião formada. Não vejo problema nenhum, pelo contrário, dá mais condições de atender a demanda de acordo com a realidade de cada município — argumenta.
O ofício enviado pelo parlamentar ao ministério, contudo, nem sempre é tornado público. Com isso, o destino e o objeto só são conhecidos após a execução, isso é, do envio dos recursos.
Nos últimos anos, o Congresso Nacional tem intensificado a prática de aprovar emendas parlamentares cada vez mais amplas, permitindo aos deputados e senadores definir os detalhes da aplicação apenas no momento da execução. Embora esse modelo ofereça flexibilidade política, especialistas alertam para os riscos à transparência e à eficiência do gasto público. É como se o dinheiro fosse enviado para um caixa geral, a fim de ser gasto conforme a conveniência política dos deputados e senadores responsáveis por enviar os recursos. Especialistas veem uma estratégia para dificultar que a verba seja rastreada por órgãos de controle.
Atualmente, o número médio de emendas aprovadas por ano gira em torno de seis mil — uma queda significativa em relação a 1991, quando quase 72 mil propostas foram apresentadas. Segundo os especialistas em Orçamento Hélio Tollini e Marcos Mendes, essa redução está diretamente ligada à possibilidade de concentrar grandes volumes de recursos em ações de perfil genérico, como pavimentação de ruas ou compra de máquinas, sem necessidade de detalhamento prévio. “O parlamentar só precisa definir o destino e o objeto no momento da execução”, explica Tollini.
Um exemplo desse uso amplo são os recursos direcionados à ação “apoio a projetos de infraestrutura turística”, que prevê R$ 1,3 bilhão em 2024 — sendo R$ 1 bilhão oriundo de emendas parlamentares. A rubrica permite investimentos que vão desde a construção de calçadas até aeroportos, o que abre margem para uma aplicação pulverizada em centenas de municípios. Esse montante, inclusive, se concentra em apenas duas propostas: R$ 500 milhões da Comissão de Turismo da Câmara e R$ 400 milhões da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado.
Para Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, essa concentração de recursos compromete a clareza e o planejamento do orçamento. “Quando praticamente todo o orçamento de um ministério se concentra em uma única ação orçamentária, ela perde o sentido de existir. O ideal seria que houvesse um mínimo de detalhamento”, argumenta.
Outro ponto de preocupação é a transparência: como a destinação final só aparece após a emissão de ofícios dos parlamentares, nem o governo sabe com antecedência onde o dinheiro será aplicado. Isso torna o acompanhamento mais difícil e fragiliza os instrumentos de controle.
Além disso, há uma mudança no perfil dos gastos. Um estudo da consultoria da Câmara, feito a pedido da deputada Adriana Ventura (Novo-SP), mostra que as emendas estão sendo direcionadas cada vez mais para despesas de custeio — aquelas voltadas à manutenção da máquina pública. Em 2023, 95% das emendas visavam investimentos; já em 2024, esse percentual caiu para 85%. No caso das emendas de bancadas estaduais, 57% do total foi destinado a custeio, revelando uma tendência de migração das emendas coletivas para ações genéricas e pouco específicas.
A deputada Ventura critica a prática e afirma que, embora haja o argumento de que os recursos servem para obras estruturantes, como estradas, a realidade mostra que esse objetivo raramente se concretiza. “Esse mecanismo é usado para viabilizar, depois, as chamadas emendas individuais”, observa.
Diante do cenário, o Supremo Tribunal Federal tem cobrado maior clareza sobre a destinação das emendas. Há dez dias, o ministro Flávio Dino determinou que a Câmara e o Senado informem como será feita a identificação dos autores das emendas de comissão e bancada. Ele também solicitou à Advocacia-Geral da União (AGU) explicações sobre o uso do Cadastro Integrado de Projetos de Investimento — ferramenta que deveria indicar se os recursos estão, de fato, sendo direcionados a projetos prioritários e estruturantes.
A discussão, cada vez mais presente nos tribunais e nos gabinetes de Brasília, deve ganhar força à medida que se aprofunda o debate sobre a eficiência do gasto público e o papel das emendas parlamentares na execução orçamentária do país.