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Redes Sociais: Regulamentar sem censurar

As notícias falsas são frequentemente apresentadas de forma a imitar notícias verdadeiras.

Fonte: Por Sergio Tamer Professor e advogado, é presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública - CECGP


A Câmara dos Deputados estuda a criação da Lei Brasileira de Liberdade na Internet, Responsabilidade e Transparência Digital, por meio do Projeto de Lei 2.630/20, conhecido como PL das fake news. Um grupo de trabalho, naquela Casa, analisa atualmente o projeto aprovado pelo Senado. O certo é que o papel das plataformas digitais na proteção contra a disseminação de desinformação e crimes virtuais tem sido objeto de preocupação, dada a premente necessidade de encontrar mecanismos eficientes para garantir a responsabilidade e a transparência. Censura prévia, porém, jamais!

Logo se vê que a regulamentação das redes sociais envolve diversos interesses em conflito, como a proteção da liberdade de expressão, a garantia dos direitos dos usuários no exercício da sua plena cidadania, a responsabilidade das plataformas e a necessidade de combater crimes digitais. Contudo, pesquisas apontam que 6 em cada 10 brasileiros apoiam a regulamentação, com a ressalva de que ela não deve limitar a liberdade de expressão.

No Brasil, o debate sobre a regulamentação das redes sociais é permanente, com diferentes perspectivas e opiniões, incluindo a inquestionável necessidade de equilibrar a liberdade de expressão com a proteção dos direitos humanos e a garantia de um ambiente online seguro e democrático. É que com o crescimento das redes sociais e das plataformas on line, as informações falsas ou enganosas podem difundir-se rapidamente, minando a confiança do público e ameaçando os processos democráticos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se manifestado a favor da regulamentação das redes sociais, destacando a importância de regras para o funcionamento das plataformas e para a gestão de conteúdos, e é neste último ponto que reside o nó górdio da questão, pois sob o eufemismo de “gestão de conteúdos” pode estar embutida uma espécie de tentação de censura, haja vista o clima político e partidário hoje dominante no país.Portanto, a regulamentação das redes sociais continua sendo um grande desafio para o brasileiro, com a necessidade de encontrar um equilíbrio entre a proteção dos direitos humanos e a garantia da liberdade de expressão, além de lidar com as questões de privacidade, responsabilidade e transparência.

Na União Europeia, por exemplo, existe o Regulamento dos Serviços Digitais (RSD) queajuda a combater a propaganda, as informações incorretas e as notícias falsas em linha, introduzindo requisitos rigorosos para as plataformas digitais. Há, dessa maneira, naquela jurisdição, a responsabilização por conteúdos ilegais e multas por incumprimento; transparência relativamente ao funcionamento dos algoritmos; ferramentas de comunicação de informações para os utilizadores; avaliações dos riscos em matéria de informações lesivas; resposta a situações de crise de modo a limitar as informações falsas em situações de emergência, além de auditorias independentes relacionadas aos esforços realizados para combater os conteúdos ilegais.

Parte-se do pressuposto de que tanto a propaganda, quanto as informações incorretas e as notícias falsas, influenciam as pessoas de diferentes formas, mas que as três contribuem para distorcer a verdade. A propaganda, no caso das redes sociais,consiste em disseminar informações intencionalmente concebidas com o objetivo de influenciar a forma de pensar ou o comportamento das pessoas, geralmente em apoio de uma agenda política ou ideológica. A propaganda pode conter informações factuais, mas geralmente é unilateral ou tendenciosa, dando estrategicamente ênfase a determinados pontos de vista.

Por sua vez, as informações incorretas são conceituadas como informações erróneas que as pessoas, acreditando que são verdadeiras, partilham sem intenção de induzir em erro. As informações incorretas podem resultar de mal-entendidos, rumores ou pesquisas insuficientes. Já as notícias falsas sãoconsideradas notícias fictícias ou desproporcionadas intencionalmente, isto é, são concebidas para induzir as pessoas em erro, criar confusão ou promover determinados interesses de forma dissimulada. As notícias falsas são frequentemente apresentadas de forma a imitar notícias verdadeiras. Dessa maneira, a propagação de conteúdos nocivos na Internet continua a ser uma questão de extrema importância na União Europeia, em especial naquilo que se relaciona a eventos políticos.No entanto, não se considera comodesinformação” para fins de reprimenda oserros na comunicação de informações, sátiras, paródias ou notícias e comentários claramente identificados como partidários, nem a opinião escrita ou oral, salvo se esta servir para ampliar uma desinformação (informaçãocomprovadamente falsa).

Antes de deixar o comando terreno da Igreja Católica, o Papa Francisco, em mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, foi bastante assertivo: “A eficácia das fake news fica-se a dever, em primeiro lugar, à sua natureza mimética, ou seja, à capacidade de se apresentar como plausíveis. Falsas, mas verosímeis, tais notícias são capciosas, no sentido que se mostram hábeis a capturar a atenção dos destinatários, apoiando-se sobre estereótipos e preconceitos generalizados no seio dum certo tecido social, explorando emoções imediatas e fáceis de suscitar como a ansiedade, o desprezo, a ira e a frustração. A sua difusão pode contar com um uso manipulador das redes sociais e das lógicas que subjazem ao seu funcionamento: assim,os conteúdos, embora desprovidos de fundamento, ganham tal visibilidade que os próprios desmentidos categorizados dificilmente conseguem circunscrever os seus danos”.

A Câmara dos Deputados precisa, agora, fazer o seu papel de debater e legislar sobre a matéria e o STF, por amor à democracia e ao princípio da harmonia entre os Poderes, deveria exercer a sua autocontenção para evitar se imiscuir em matéria de legítima competência daquela Casa legislativa.

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