
O direito humano à segurança é reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um direito fundamental, vinculado à dignidade, à liberdade e à proteção da vida de todas as pessoas. A ONU entende esse direito de forma ampla, envolvendo não apenas a ausência de violência, mas também a segurança humana em suas múltiplas dimensões. Nesse sentido, a visão da ONU sobre o direito humano à segurança vai muito além do policiamento ou da repressão à violência. Ela envolve a criação de condições para que cada pessoa possa viver com dignidade, livre do medo e da necessidade, como expressão plena dos direitos humanos.
Dentro dessa perspectiva, o Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP, em convênio com a Universidade Portucalense e a UNIFACs da Bahia, realizou um programa de pós-doutoramento com atividades de estudos interdisciplinares na cidade do Porto, em Portugal, sob a coordenação da professora Ana Cláudia Campina. E mediante essa temática, a qual abrangeu as suas diversas dimensões, foram desenvolvidas as pesquisas por parte dosprofessores Gladston Fernandes de Araújo, Nelson Melo de Moraes Rêgo e por mim. Essa abordagem multifacetada da segurança resultou no livro lançado recentemente no Centro Cultural da SVT Faculdade, inserindo-se na programação do 5º aniversário de fundação da Academia Maranhense de Cultura Jurídica, Social e Política (AMCJSP).
Importante ressaltar que essa visão ampliada do conceito de segurança humana, por parte da ONU, surgiu especialmente a partir do Relatório do PNUD de 1994 (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), que definiu a segurança não apenas como a ausência de conflito, mas como a garantia de condições básicas de vida digna. A partir desse ponto a ONU passou a compreender a segurança nas suas dimensões econômica, alimentar, ambiental, pessoal, comunitária, política e de saúde. Talvez por isso, a implicação prática mais importante desse conceito resida na defesa de uma segurança integrada aos direitos sociais, como educação, saúde, moradia, trabalho, urbanização e lazer. E nesse contexto, como é notório, o controle da efervescente criminalidade que assola o nosso país e aflige a sua população – onde os índices de violência homicida desafiam os estudos dos mais argutos especialistas em políticas públicas de segurança -, seguramente não é uma tarefa a ser exercida exclusivamente pelas forças policiais.
Mas é certo que ao observarmos as maneiras como são concretadas a busca porsegurança, verificamos que enquanto alguns ampliam conceitualmente esse direito humano fundamental, para nele incluir a exigibilidade de praticamente todos os direitos humanos como melhor maneira de responder à sua crescente demanda -, outros doutrinadores e ativistas, dentre os quais os “fundamentalistas punitivistas”, preferem desacreditar os instrumentos de direitos humanos ao alardear a sua inutilidade e até mesmo prejuízo para as ações de proteção que consideram mais efetivas. Nesse panorama, o discurso dos direitos humanos vem sendo questionado e se enfraquece muito diante da onda de medo disseminada nas sociedades democráticas, a exemplo do Brasil, e para contrapor-se a essa situação, devemos buscar a efetividade dos direitos sociais para que países como o nossoobtenham a redução dos crimes violentos, muito embora reste um percentual de crimes que resiste mesmo com a conquista de mais igualdade social, resultado que são de uma série de causas que não necessariamente a desigualdade.
Não se pode deixar de registrar, assim, a frustração das expectativas postas na democracia e no crescimento económico, pois alguns fatores vem gerando novas espirais de violência e contribuindo para o desalento da sociedade, a exemplo da desigualdade social crescente (ainda mais que a pobreza em si mesma); as carências de políticas públicas corretoras dos desajustes sociais e das situações de extrema necessidade; o narcotráfico corruptor com a sua contribuição à corrupção política que debilita os aparatos do poder; a generalizada impunidade e a seletividade de fato (classista e/ou racista) da punição; as falhas do sistema penal e carcerário como fábricas de delinquência ao invés de motor da reinserção social; a falta de uma reforma das “forças de segurança”, que devem receber atenção, recursos e formação específica; a falta de políticas preventivas do delito e, em consequência, a atuação violenta da polícia que, geralmente é vista como única alternativa restante.
A garantia dos direitos sociais, como sabemos, é a base para o desenvolvimento dos Estados Sociais e Democráticos de Direito que não poderão subsistir com esse status sem promover iguais oportunidades no acesso aos bens primários da coletividade. O Brasil, nesse cenário, ostentando índices elevados de violência homicida, muito embora tenha registrado leve declínio em 2019, há décadas tenta controlar a criminalidade, utilizando-se do discurso oficial de endurecimento policial-repressivo assim como do endurecimento das penas, sem atentar para a necessidade de operar sobre as causas do crime e conjugar ações diversas – dentre as quais o combate à desigualdade social aqui muitas vezes referido – necessário para que a boa política pública, na área de segurança, tenha a eficácia que todos anseiam. Esperamos que as pesquisas realizadas por ocasião do projeto de pós-doutoramento possam contribuir, de alguma forma, ainda que minimamente, para demonstrar essa realidade e apontar alternativas.