Nunca esqueci o dia em que meu avô abateu um porco. A estratégia era simples: jogar alguns grãos de milho para fora do chiqueiro e surpreendê-lo com um golpe de machado. Mas algo deu errado. O machado pegou de raspão, ferindo o animal sem matá-lo. O grito de dor daquele porco ecoou por horas, me atravessando a alma, enquanto ele tentava escapar do destino inevitável. Aquela cena se gravou em mim como um trauma silencioso — um sofrimento ignorado, mas real.
Anos depois, outra imagem me marcou: caranguejos sendo fervidos vivos em cozinhas. Talvez pareça comum para muitos, mas poucos sabem que eles sentem dor. Pesquisas do professor Robert Elwood, da Queen’s University Belfast, mostram que caranguejos reagem à dor de forma semelhante aos vertebrados — esfregando a área ferida, evitando lugares onde sofreram choque e demonstrando aprendizado baseado na dor.
E então eu me pergunto: quantas dores ignoramos? Quantas lágrimas não vistas de seres que não podem gritar como nós?
Algumas culturas adotam métodos menos cruéis. O abate halal, seguido pelos muçulmanos, exige que o animal seja bem tratado, alimentado e não sofra medo. O abate é feito com uma lâmina afiada num corte único, buscando ser o mais rápido e limpo possível, sempre pronunciando o nome de Deus como forma de respeito. Já o abate kosher, da tradição judaica, também busca minimizar o sofrimento, com o animal consciente, mas com procedimentos rígidos para garantir uma morte rápida, sem dor prolongada.
Mas, infelizmente, nem todas as realidades são assim. Em muitas capitais brasileiras, vejo todos os dias carroceiros puxando cargas imensas com cavalos magros, feridos, cansados. O relho corta a carne do animal enquanto ele tenta se equilibrar nas ruas quentes. É uma cena medieval em pleno século XXI. Quando criança, no sul do país, conheci uma mulher chamada Palmira, que liderava uma associação de proteção animal. Lembro como, com apoio da polícia, voluntários recolhiam relhos de carroceiros cruéis e notificavam maus-tratos. Era um tempo de esperança, quando o amor pelos animais ainda brotava de ações simples, mas valiosas.
O mundo evolui, e felizmente alguns países já enxergam os animais como seres sencientes. Reino Unido, Suíça e Nova Zelândia já reconhecem legalmente que crustáceos decápodes — como caranguejos e lagostas — sentem dor e, por isso, é proibido cozinhá-los vivos sem atordoamento prévio. Lá, também se combate o uso de gaiolas, o confinamento extremo, e se promove o respeito pela vida animal em todas as etapas — do nascimento até o abate.
No Brasil, ainda há um longo caminho. Leis avançam lentamente, e a consciência coletiva parece entorpecida. Mas isso não pode ser desculpa. Todo ser vivo merece respeito. Todo sofrimento importa.
Precisamos educar, legislar e agir. Não podemos continuar ignorando o grito silencioso dos que não têm voz. A verdadeira evolução humana só virá quando entendermos que o valor da vida não depende da espécie. Amar, proteger e respeitar a vida animal não é um luxo, é um dever ético de qualquer sociedade justa.
Que nossos filhos cresçam num mundo onde a bondade seja natural e a crueldade, inconcebível.