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A Anistia entre o Congresso, o Executivo e o STF

O traço característico dos atos de poder é o de serem editados em execução direta da Constituição, apresentando, assim, ampla margem de discricionariedade

Fonte: Por Sergio Tamer, Professor e advogado, presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP

Sérgio Tamer

Ao se referir à tramitação do Projeto de Lei da Anistia na Câmara dos Deputados, o vice-presidente Geraldo Alckmin afirmou que o judiciário “tem a última palavra”, porémeste, como é de costume em se tratando de assuntos polêmicos, já se manifestou por meio de vários ministros, ao anunciar que a anistia é inconstitucional. A Constituição estabelece, em seu art. 5º, inciso XLIII, que a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos são considerados inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia. No raciocínio dos ministros que já se pronunciaram, a ação de grupos armados, civis ou militares, contra o Estado é crime inafiançável e imprescritível, logo, se é inafiançável e imprescritível, o regime é o mesmo do terrorismo, crime hediondo etc. Ou seja, também não pode graça (perdão) nem anistia…Esse “puxadinho” jurídico, construído por ilação com base em outra figura constitucional, é que vem sendo utilizado constantemente como ameaça à decisão que eventualmente o Congresso venha a adotar nessa direção. Os discursos sobem de tom, e a confrontação institucional que já se avizinha parece que será inevitável.

O traço característico dos atos de poder é o de serem editados em execução direta da Constituição, apresentando, assim, ampla margem de discricionariedade. Sua edição, contudo, não é prerrogativa do Executivo ou do Parlamento, uma vez que o Poder Judiciário também exerce atividade política ao proceder, por exemplo, a revisão judicial das leis e dos atos normativos, diante da Constituição, anulando-os quando com esta incompatível. Dessa forma, os atos de poder têm a sua controlabilidade decorrente da sua conformidade com a Constituição sendo eles, portanto, cognoscíveis pelo Poder Judiciário, que deve contrastá-los com os princípios e preceitos constitucionais e se eles foram praticados em atenção à forma, à competência e à finalidade constitucionalmente definidas. Esses atos de poder estão umbilicalmente relacionados com o princípio da divisão de poderes e o seu controle, como decorrência lógica, só pode ser entendido dentro do sistema de harmonia, independência e contenção que deve haver entre as funções do Estado. Contudo, Rui Barbosa, um dos primeiros a dar um foco de luz ao assunto no Brasil, ponderava que sempre havia sustentado que não é lícito à Corte Suprema “intervir no exercício político do poder da legislação, ou do Presidente” e que não podem constituir objeto de litígio perante ela “as questões políticas de sua natureza”. Intrigado com estas posturas conflitantes, indagava: “como conciliar, pois, com este cânon abstrato os fatos apontados?” – e em seguida apontava para o caminho que lhe parecia, de fato, solucionador: “Evidentemente buscando um característico exato, para definir os casos de sua natureza políticos, achando um critério, para discernir em que medida o elemento político, envolvido numa questão, não a incompatibiliza com o papel judiciário da magistratura preposta à defesa da Constituição nacional”. Rui admitia, no entanto, a intervenção do judiciário mesmo em relação ao exercício de funções discricionárias dos demais poderes quando houvesse “abuso claro e grosseiro”.

Com a polarização política existente hoje no Brasil a permear todos os setores da vida nacional, cujo reflexo observa-se com nitidez até nos seus órgãos de soberania, instalou-se um clima de desconfiança recíproca a retirar a legitimidade da jurisdição em temas de natureza política. Na realidade, vive-se um estado permanente de tensão entre direito e política. Ora reivindica-se o primado do direito sobre o poder, como quer o STF, ora o primado do poder sobre o direito como deseja o Congresso. É preciso distender esse “cabo de guerra” entre os poderes, isto é, entre o juízo normativo e o juízo político, entre o direito e a política…

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