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Lojas no Brasil testam jornada 5×2

Grupo DPSP, de farmácias, e H&M, de moda, estão trabalhando com essa jornada para seus funcionários de loja

Da redação: Letícia Bogéa

A escala 6×1, em que o trabalhador atua seis dias na semana e descansa apenas um, é prática histórica no varejo brasileiro, mas está no centro de um debate cada vez mais intenso sobre qualidade de vida e produtividade. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 8/25), apresentada em fevereiro pela deputada Erika Hilton, busca extinguir esse formato, mas ainda não avançou no Congresso. No entanto, uma subcomissão foi criada para aprofundar o tema, definindo um plano de trabalho que inclui a análise dos impactos econômicos da proposta, o estudo de projetos correlatos, a realização de audiências públicas em diversas regiões do país e o diálogo com setores diretamente afetados, além da sugestão de novos projetos de lei relacionados à pauta.

Embora setores empresariais argumentem que a redução de jornada seria inviável economicamente, especialistas como o professor do Insper e procurador do trabalho Renan Kalil sustentam o contrário. Para ele, a medida é plenamente factível tanto do ponto de vista econômico quanto de produtividade. Kalil cita exemplos internacionais: França (35 horas semanais), Estados Unidos, Canadá e Itália (40 horas), enquanto países como Chile e México estão em transição para o mesmo patamar. A Espanha, por sua vez, discute a redução de 40 para 37,5 horas. Segundo ele, a experiência mundial comprova a viabilidade do modelo e reforça que a jornada semanal de 44 horas no Brasil já está acima da média de várias economias desenvolvidas.

Experiências concretas também vêm reforçando esse argumento. Kalil lembra o projeto piloto conduzido pela 4-Day-Week com 19 empresas brasileiras que reduziram a jornada para quatro dias na semana. Os resultados foram expressivos: o engajamento dos trabalhadores subiu 60%, a colaboração aumentou 85,4%, e 82,4% relataram ter mais energia para desempenhar suas funções. Houve também queda significativa nos índices de exaustão, além de melhorias apontadas pelas próprias empresas, como aumento de receita em 72% dos casos e avanços nos processos internos. Kalil destaca ainda o livro recente da professora Juliet Schor, Four Days a Week, que documenta os impactos positivos da jornada reduzida, como a redução do burnout, melhora da saúde física e mental e maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, acompanhados de ganhos em produtividade e retenção de talentos.

No setor privado, empresas já vêm se antecipando ao debate político. O Grupo DPSP, dono das drogarias Pacheco e São Paulo, substituiu em agosto a escala 6×1 pelo modelo 5×2, impactando diretamente cerca de 24 mil dos seus mais de 30 mil funcionários. De acordo com o CEO Marcos Colares, a mudança mantém a carga de 44 horas semanais prevista em contrato, mas distribui melhor o tempo de descanso, trazendo ganhos em bem-estar e qualidade de vida para os colaboradores. O executivo afirma que o projeto vinha sendo estudado há anos e que a mudança foi estratégica para aumentar engajamento e satisfação sem comprometer o atendimento nas lojas.

A multinacional sueca de moda H&M também adotou a escala 5×2 no Brasil, mesmo em um setor em que o formato 6×1 ainda é predominante. Joaquim Pereira, country manager da empresa no país, explicou que o modelo já é padrão em diversos mercados globais da rede e foi trazido para o Brasil como parte do compromisso com responsabilidade social e retenção de talentos. Segundo ele, o investimento no bem-estar e no equilíbrio dos trabalhadores é visto como um fator estratégico de engajamento e produtividade, compensando eventuais custos extras. Até o fim de 2025, a companhia projeta ter 450 funcionários no país, distribuídos em lojas, centros de distribuição e escritório, e aposta na escala 5×2 como diferencial para sustentar sua expansão.

Para além da política e da gestão empresarial, o debate reflete uma mudança cultural mais ampla. Kalil lembra que a pauta do fim da escala 6×1 foi articulada no Brasil pelo vereador Rick Azevedo e pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), traduzindo uma demanda real da sociedade. A defesa do tema ganhou apoio popular justamente por tocar em questões cotidianas: jornadas longas, deslocamentos extensos e a falta de tempo para a vida fora do trabalho. Segundo ele, a discussão não é apenas sobre carga horária, mas sobre a liberdade de o trabalhador ter mais tempo para a família, hobbies, religião, esportes e lazer, ampliando o conceito de dignidade no trabalho.

Com isso, a discussão sobre a jornada de trabalho no Brasil extrapola o debate econômico tradicional e se consolida como uma pauta social e cultural. A pressão pela mudança tende a crescer, estimulada tanto por movimentos sociais quanto por empresas que já experimentam novos modelos. A escala 6×1, que moldou o mercado de trabalho por décadas, começa a ser desafiada por alternativas mais equilibradas, abrindo caminho para uma transformação estrutural no mundo do trabalho brasileiro.

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