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Guarda compartilhada: desafios e o compromisso com o melhor interesse da criança

A guarda compartilhada é um convite à maturidade parental. É um modelo que exige dos adultos um genuíno comprometimento com o melhor interesse da criança e do adolescente

Fonte: Teresinha Marques, advogada e Diretora Tesoureira da CAAMA

Por: Teresinha Marques, advogada e Diretora Tesoureira da CAAMA

A guarda compartilhada, instituída no ordenamento jurídico brasileiro como regra, representa um marco na evolução das relações familiares, um avanço civilizatório na forma como o Direito das Famílias compreende a parentalidade após a dissolução conjugal, e uma busca pelo bem-estar dos filhos. Mais do que uma divisão de tempo de convívio, trata-se de um modelo que visa promover a corresponsabilidade parental e assegurar a convivência equilibrada com ambos os genitores, evitando situações de exclusão, fortalecendo vínculos afetivos e possibilitando o pleno desenvolvimento emocional, social e afetivo das crianças e adolescentes.

Apesar dos benefícios evidentes deste instituto, a prática revela que sua efetivação esbarra em diferentesobstáculos, que vão além da letra fria da lei, e que exigem reflexão por parte de profissionais do Direito, das famílias e de toda sociedade. É preciso compreender esses desafios para que o instituto cumpra sua função de proteger o melhor interesse da criança — princípio norteador do Direito das Famílias contemporâneo.

A efetividade desta modalidade de guarda pressupõe diálogo e cooperação contínuos entre os pais para decisões sobre a vida dos filhos. No entanto, conflitos emocionaispós-separação dificultam a comunicação, gerando impasses judiciais e prejudicando o desenvolvimento infantil. Nesse contexto, a mediação familiar e o apoio psicológico são essenciais para reconstruir a confiança e viabilizar acordos duradouros.

Outro ponto sensível diz respeito à residência principal dos filhos. Embora a legislação não exija alternância física entre os lares, a definição do lar principal continua sendo fonte de controvérsias, e a distância entre os domicílios dos genitores pode causar barreiras logísticas à participação ativa de ambos. Trânsito intenso, incompatibilidade de horários e falta de infraestrutura adequada são desafios que exigem soluções criativas, como transporte escolar compartilhado, uso de ferramentas digitais e acordos adaptados à realidade local.

O mundo mudou — e a família também. O crescimento do trabalho remoto, a multiplicidade de atividades extracurriculares, a diversificação das atividades familiares e a fluidez das rotinas requerem dos pais uma capacidade de adaptação constante. A guarda compartilhada deve acompanhar tais transformações sociais, o que implica na existência de empatia e disposição dos genitores de envidarem esforços na construção de rotinas participativas, para atender às necessidades dos filhos, com diálogo, compreensão das limitações individuais, fixação de horários flexíveis e revisão periódica dos acordos, garantindo, assim, a participação de ambos nos momentos relevantes da vida da prole.

A guarda compartilhada, quando mal conduzida, pode ser usada como instrumento de disputa entre os pais, agravando conflitos e prejudicando os filhos. A alienação parental — uma forma de abuso emocional que compromete o vínculo de um filho menor de idade com um dos genitores — tende a se intensificar nesses casos, especialmente na ausência de maturidade emocional. O sistema de justiça e os profissionais da rede de proteção devem agir com firmeza para preservar os vínculos afetivos, oferecendo medidas protetivas e apoio psicológico. A efetividade da guarda compartilhada depende, então, do comportamento dos pais, e seu descumprimento pode exigir novas intervenções judiciais. Fiscalização, orientação e sanções são essenciais para garantir que a guarda seja exercida com responsabilidade, e não apenas formalmente.

Casos envolvendo violência doméstica, mudanças de cidade ou país, presença de novos parceiros e famílias recompostas ampliam a complexidade da guarda compartilhada e, por consequência, demandam uma abordagem ainda mais cuidadosa. Nesses contextos, a atuação multidisciplinar e a revisão periódica dos acordos são fundamentais para garantir segurança e estabilidade, não se devendo, de forma alguma, olvidar que o protagonismo infantil deve ser respeitado.

A superação dos desafios da guarda compartilhada exige uma atuação integrada, envolvendo mediação, educação parental, apoio terapêutico e atuação conjunta do sistema de Justiça com profissionais de psicologia e serviço social. É crucial reconhecer a importância as necessidades das crianças e adolescentes, respeitando suas opiniões e promovendo condições para que sejam sujeitos de direitos ativos nos processos familiares.

O aprimoramento legislativo, o investimento em políticas públicas voltadas à família e a valorização da escuta ativa das crianças e adolescentes são caminhos promissores para consolidar a guarda compartilhada como instrumento de proteção ao desenvolvimento infantil.

A guarda compartilhada é um convite à maturidade parental. É um modelo que exige dos adultos um genuíno comprometimento com o melhor interesse da criança e do adolescente, e que representa uma oportunidade de fortalecimento dos vínculos familiares e de promoção do equilíbrio emocional dos filhos. Para que se torne efetivamente funcional, é necessário que os operadores do Direito atuem com sensibilidade, técnica e engajamentocom os princípios. Como advogada, com mais de duas décadas de atuação no Direito das Famílias, afirmo: quando bem conduzida, a guarda conjunta transforma conflitos em cooperação e promove laços duradouros. O desafio é grande — mas o futuro das nossas crianças merece esse esforço.

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