
O juiz Douglas de Melo Martins, titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos de São Luís, anulou todos os autos de infração aplicados pela Prefeitura da capital com base no artigo 230, inciso V, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) — que trata de veículos “não registrados e não devidamente licenciados”. A sentença afirma que o Município fez enquadramentos incorretos ao autuar motoristas com licenciamento vencido, e determinou que essas situações passem a ser registradas conforme o artigo 232 do CTB, que classifica o ato como infração leve.
Além disso, o magistrado ordenou que a Prefeitura sinalize todas as vias com fiscalização por videomonitoramento e informe, nos autos de infração, a forma de constatação da irregularidade. O descumprimento da decisão poderá gerar novas medidas judiciais.
Ação Popular e questionamentos
A sentença foi resultado de uma Ação Popular proposta por quatro cidadãos contra o Município de São Luís e o então secretário municipal de Trânsito e Transportes. Eles alegaram que o Município vinha aplicando indevidamente multas gravíssimas a veículos apenas com o licenciamento anual vencido, e também autuando por videomonitoramento sem sinalização nas vias e sem o devido registro no campo de observação dos autos — o que, segundo os autores, violaria resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
Os autores defenderam que, nesses casos, o enquadramento correto seria o do artigo 232 do CTB, que prevê penalidade mais branda para “deixar de portar documentos obrigatórios”.
Interpretação incorreta do artigo 230
Na decisão, o juiz Douglas de Melo Martins destacou que houve erro de interpretação na aplicação do artigo 230, inciso V, do CTB. O texto do dispositivo prevê multa apenas quando o veículo não estiver registrado e não estiver licenciado simultaneamente.
“Os motoristas autuados em São Luís estavam conduzindo veículos registrados, mas com o licenciamento pendente. Essa conduta é distinta da prevista no artigo 230, V, e deve ser tratada de forma proporcional e razoável”, afirmou o magistrado.
Segundo ele, equiparar a falta de licenciamento — uma infração administrativa e fiscal — à condução de veículo sem registro é desproporcional. Por isso, a conduta deve ser enquadrada como infração leve, nos termos do artigo 232.
Limites do Contran e ilegalidade do enquadramento
A Prefeitura argumentou que seguia o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (MBFT), aprovado pela Resolução nº 985/2022 do Contran, que criou o código de enquadramento 659-92 para a conduta de “conduzir veículo registrado que não esteja devidamente licenciado”.
O juiz, no entanto, considerou que o Contran, ao editar essa norma, ultrapassou os limites da lei ao criar, na prática, uma nova hipótese de infração gravíssima não prevista no CTB. “Uma resolução não pode inovar na ordem jurídica e nem criar penalidades além daquelas previstas em lei”, apontou.
Determinações complementares
A sentença também obriga o Município a:
-
Sinalizar todas as vias com câmeras de videomonitoramento;
-
Indicar no auto de infração quando a constatação ocorrer por meio dessas câmeras;
-
Deixar de usar o artigo 230, V em casos de veículos apenas com licenciamento vencido;
-
Ajustar o sistema de autuação para o novo enquadramento legal.
Os pedidos dirigidos contra o então secretário de Trânsito e Transportes, Diego Rafael Rodrigues Pereira, foram rejeitados.
O que muda para o motorista
Com a decisão, motoristas multados com base no artigo 230, V por licenciamento vencido podem solicitar a anulação da autuação, já que o enquadramento foi considerado indevido. A sentença ainda pode ser recorrida pelo Município, mas tem efeito imediato quanto às determinações administrativas.