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Nauro Machado é entrevistado através da coletânea Jardim de Infância

Nauro Machado, através de seus versos cheios de filosofia introspectiva, compostos de fluídos aédicos, é um poeta universal.

Fonte: Mhario Lincoln

O poeta Carlos Drummond de Andrade ao ler as poesias de Nauro Machado, não se conteve e gritou: “(…) uma poesia alta e impressionante (…)”. E tinha razão porque, nem mesmo após o falecimento do poeta maranhense, a fonte lírico-intimista de Nauro, deixou de gritar bem forte.

Através de Arlete Nogueira da Cruz Machado, ouvimos recentemente outro grito alto e impressionante: trata-se da publicação do terceiro livro póstumo: “Um Oceano Particular”, cujo lançamento foi acompanhado de resenha do brilhante Antonio Ailton.

Na verdade, a fonte continua brotando com a mesma força angustiante, como escreveu o crítico José Guilherme Melchior, comparando-o a Augusto dos Anjos: “sua imagística se põe a serviço – para além da moldura espiritualista – de toda uma somatização da angústia (…)”.

Nauro é um dos poetas maranhenses colecionadores de grande número de reconhecimentos nacionais, desde a própria Academia Brasileira de Letras. Fez seu verso viajar por outras dores, coadjuvados pela franqueza de quem escreve para si, mas enfatizando momentos coletivos como raízes, em busca de húmus parental, sob candentes possibilidades viscerais.

Alguém escreveu que sua obra apresenta traços de reflexão existencial angustiada e violenta, a qual encontra poucas comparações na lírica de língua portuguesa. Por isso, será como a pira da saudade, eternamente acesa, para que todos possam respirar o eterno.

Nauro Machado é – e continuará ser – um formador de estrelas morfológicas, através de seus versos cheios de filosofia introspectiva, compostos de fluídos aédicos: um poeta universal.

Destarte, com base nesse novo episódio literário de Nauro, tomei a decisão de publicar o número 02 de Entrevistas com Livros (gênero registrado pela Plataforma do Facetubes). Esse, na verdade, é um novo gênero de resenhas (sem fins lucrativos), cujas perguntas são elaboradas com base em alguns poemas escolhidos.

Foi assim que a decisão recaiu em cima do antológico livro de Nauro Machado – “Jardim de Infância” -, também organizado por Arlete Machado, tornado público através da “Litograf”, ano 2000.

Em tempo: a primeira Entrevista com Livros, desta série, teve como foco central o poeta José Sarney. Interessados em ler podem acessar através de link anexado ao final da página.

A ENTREVISTA

“(…) ser poeta é duro e dura/ e consome toda a existência”. Nauro Machado.

1 – MHARIO LINCOLN: Há quem acredite que sua poesia é fechada e diz respeito somente aos seus espasmos existenciais. Pelo visto não é bem assim, quando às primeiras páginas do livro “Jardim de Infância”, você o oferece para sua neta Luísa, chamando-a de “Meu Pequeno Relógio de Sol”.

NAURO MACHADO: “(…) Vamos, para que te vejam/ Luísa e pão, luz de feira,/ bem maior que a das igrejas./ Vamos, minha luz primeira,/ alumiando os coretos/ e acendendo os candeeiros./ Vamos, ó meu sol pequeno,/ no relógio sem ponteiros/ a crescer pelos teus dedos…”. (Pág.09).

2 – MHL: Você costuma cantar sua cidade por diapasões diferentes. Pode exemplificar um deles?

NM: “Cantar-te-ei, cidade, qual se amada/ fosses até o final dos que têm ossos,/ para, no amor,/ cantar-te desamada/ a destroçar-me ao chão dos meus destroços./ Cantar-te-ei, cidade, em todo e em cada/ imundo beco ou rua aos passos nossos,/ e em moribunda noite à madrugada/ trazendo o chumbo dos soluços grossos. / Cartar-te-ei, cidade, o início e o fim/ com todo o corpo. E até no podre rim/ carregado por crápulas fiéis,/ cantar-te-ei, de imunda, o Senhor-Morto/ me conduzindo ao cais do último porto,/ onde dormirei eterno sob teus pés.” (Pag. 49).

3 – MHL: Por que razão os seus ‘mortos’ são diferentes dos ‘mortos’ de Carlos Drummond de Andrade?

NM: “Drummond falou dos seus mortos reunidos./ Eu falo dos meus mortos insepultos./ Dos que amanhecem sãos, mal rompe o dia/ bailando sobre as valsas pelo outrora. (…)”. (Pág. 51).

4 – MHL: Então posso considerá-lo notívago?

NM: “Notívago, a acender meu candeeiro,/ neste silêncio – insone, para os cegos/ vislumbro o multifindo desespero/ de um Cristo agrilhoado pelos pregos. (…)”. (Pag.14).

5 – MHL: Lá pelos idos de 1967 você escreve como se fosse um sentimentalista essencial da fauna, quando explicita no Soneto 16, a crueldade a que alguns animais são submetidos pelos humanos. É isso?

NM: “Gemido após gemido, a ave despede/ o bico de fatal cutelo insano./ Gemido após gemido, ante o tirano/ aço, a galinha sofre – e à morte cede./ Ferido pássaro, chegando, mede-lhe a dor de ave traída, este ímpio dano,/ e canta a fábula do ser humano,/ cuja alma, lúbrica, estertora e fede/ mais que a animal matéria. Sozinha,/ neste universo, arquejada a galinha,/ ouvindo – às últimas dores – apenas/ ferido pássaro a cantar-lhe: irmã,/ igual ao bom ladrão, estarei amanhã/ pousado ao lado e aos pés das tuas penas”. (Pág. 17).

6 – MHL: Qual a relação entre Espaço/Universo/Corpo, em sua concepção filo-poética?

NM: “Ocupo o espaço que não é meu, mas do universo./ Espaço do tamanho do meu corpo aqui,/ enchendo inúteis quilos de um metro e setenta e dois centímetros, o humano de quebra./ Vozes me dizem: eh, tu aí! E me mandam bater/ serviços de excrementos em papéis caídos/ numa máquina Remington, ou outra qualquer. (…)”. (Pág. 20).

7 – MHL: Diante do poema “Remoinho”, do livro “Décimo Divisor Comum”, de 1972, me chamou a atenção o tempo dos verbos, sempre no Futuro do Pretérito, o que me levou a uma apercepção: será influência direta de Lord Byron que se prendia a um tipo de poética heróica, mas angustiada, tentando ser uma exceção no mundo, com digressões sentimentais prolixas? Você poderia recitar o poema?

NM: “Por ti, ó mãe, quebraria os galhos/ do mundo, meu último leito,/ como as aves que agasalho/ e ouço cantar no teu peito./ Por ti nutriria a esperança,/ contra a derrota que empunho/ na minha bandeira, à lança/ entregue e rota aos punhos algemados, já sozinhos,/ no infinito de insano erro,/ e a pedirem-me o caminho/ não de mim pro meu desterro./ Vermes, abatei-me enquanto/ dentro mim andarilho,/ sem deter, sequer, o pranto/ de quem me chama – meu filho!”. (Pág. 22/23).

8 – MHL: Há nessa antologia, dois momentos íntimos, onde você apercebe-se de algo que está bem próximo, Arlete e Frederico:

NM: “Eu sei teus pés, Frederico,/ parvos pés no amanhecer,/ com quem falo a sós, tão rico/ ante o teu pequeno ser.(…)”. (Pág.30). /// “Rio de alvar Arlete,/ eu chego à minha alma,/ onde a água reflete/ meu impudor sem calma./ Ternura de Arlete,/ eu vou além, a mais,/ onde ruem os sete/ crimes capitais(…)”. (Pág.21).

9 – MHL: Aliás, em que momento você se apercebe homem ou simplesmente poeta?

NM: “Meu corpo está completo, o homem – não o poeta./ Mas eu quero e é necessário/ que me sofra e me solidifique em poeta,/ que destrua desde já o supérfluo e o ilusório/ e me alucine na essência de mim e das coisas,/ para depois, feliz ou sofrido, mas verdadeiro,/ trazer-me à tona do poema/ com um grito de alarma e de alarde:/ ser poeta é duro e dura/ e consome toda/ uma existência.” (Pág. 13).

10 – MHL: Em “O Signo das Tetas”, de 1984, você reage – ‘politicamente’ – a uma situação parecida com a vivida no poema de Eduardo Alves da Costa, “No caminho com Maiakóvski”, publicado no livro do mesmo nome. Qual esse poema?

NM: “Terra de Ninguém”. (Essas árvores são de outros./ Essas fruteiras também./ São, esses estranhos, senhores./ eles chegaram de pouco/ e pouco a pouco tomaram/ nossa pia, nosso espelho,/ nosso almoço, nossa fome,/ e a nossa alma – se pudessem-/ que até mesmo em nosso leito/ quiseram deitar: deitaram-se./ Eles vieram para sempre./ Eles aqui ficarão/ até o mundo se acabar/ pelo fogo do fastígio.).Pág. 44.

11 – MHL: Caro poeta, não há mensagem mais real tal qual uma faca dilacerando vísceras, explícita em “Pequena Ode a Troia”, de 1982. É certo?

NM: “Como te massacraram, ó cidade minha!/ Antes, mil vezes antes fosses arrasada/ por legiões de abutres do infinito vindos/ sobre coisas preditas ao fim do infortúnio/ (ânsias, labéus, lábios, mortalhas, augúrios),/ a seres, ó cidade minha, pária da alma,/ esse corredor de ecos de buzinas pútridas,/ esse vai-e-vem de carros sem orfeus por dentro,/ que sem destino certo, exceto o do destino/ cumprido por estômagos de usuras cheios,/ por bailarinos d’ascos sem balé nenhum,/ por procissões sem deuses de alfarrábios velhos,/ por úteros no prego dos cachos sem flores,/ por proxenetas próstatas de outras vizinhas,/ ou por desesperanças dos desenganados,/ conduzem promissórias, anticonceptivos,/ calvos livros de cheques e de agiotagem,/ esses lunfas políticos que em manhãs – outras/ que aquelas já havidas, as manhãs do Sol -/ saem, quais ratazanas pelo ouro nutridas, apodrecendo o podre, nutrindo o cadáver.(…). Esta é Tróia! O vigésimo século em Tróia,/ blasfemam as fanfarras de súbito mudas/ nos ouvidos marcando a pancada da Terra”. (Págs 41/42). Do livro “O Cavalo de Tróia”, 1982.

12 – MHL: Finalmente, Nauro, o que dizer das palavras?

NM: “Certas palavras têm o sabor de frutas/ que caminham para uma mesma morte/ mas sem a libertação desta./ (…) Certas palavras rimam vida e morte,/ sexo e pedra,/ pênis e gruta. Palavras!/ Certas palavras liberam diamantes”. (Pág. 27). Do livro “Os parreiras de Deus”, 1975.

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MHL
ENTREVISTAS COM LIVROS é uma criação do www.facetubes.com.br feita em cima de versos escolhidos em livros de poetas-autores brasileiros. Desta feita, o livro é JARDIM DE INFÂNCIA, de Nauro Machado. É uma resenha diferenciada, apenas como informação, mostrando as características de cada escola literária. Esta publicação é a segunda da série. A primeira foi feita em cima do livro SAUDADES MORTAS, de José Sarney.

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