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Grupo TAV Brasil busca parceiros para viabilizar projeto de trem-bala

Grupo TAV Brasil quer construir ferrovia de alta velocidade com dinheiro de investidores estrangeiros e fundos de pensão nacionais

Fonte: Julio Wiziack

Em tempos de inflação e juros altos no mundo, a TAV Brasil tenta atrair investidores aptos a injetar ao menos R$ 50 bilhões, ao longo de dez anos, na construção de um trem de alta velocidade entre Rio e São Paulo. Na mira, estão recursos estrangeiros e de fundos de pensão nacionais —antiga fórmula de gestões petistas para impulsionar grandes obras.

Agentes de mercado afirmam que foram consultados pela TAV e que a ideia do grupo é captar ao menos 80% dos recursos necessários com fundos e investidores institucionais no Brasil e no exterior.

Fundos de pensão de estatais também são alvo, especialmente Previ (do Banco do Brasil) e Funcef (Caixa Econômica Federal). O receio, segundo técnicos dessas instituições ouvidos sob condição de anonimato, é que se repitam casos do passado em que investimentos bilionários em projetos mal sucedidos deixaram rombo para futuros aposentados.

Para o presidente da TAV, Bernardo Figueiredo, o investimento no projeto pode ser pago entre seis e dez anos, caso consigam financiamento com juros baixos e de longo prazo.

Em entrevista, Figueiredo disse à Folha que já teve conversas iniciais com o EximBank, o “BNDES chinês”, e houve sinalização de que o banco tem apetite para entrar até como sócio.

Figueiredo avalia que há interesse por trens de alta velocidade e que os estrangeiros olham para esse projeto no Brasil de uma forma diferente. “No passado, já havia cinco interessados. Não foi adiante por uma decisão política.”

A construção do trem-bala entre São Paulo e Rio é um projeto antigo que nunca saiu do papel. O tema motivou a criação de uma estatal durante o governo Dilma Rousseff, mas, ainda assim, não andou.

Analistas do setor de infraestrutura veem com desconfiança a iniciativa de agora e lembram que o projeto não prosperou no passado por ser considerado grande demais e por sofrer resistência das companhias aéreas e das empresas de ônibus —que teriam um rival na ponte Rio-São Paulo.

Hoje, com o preço das passagens aéreas em alta, a TAV acredita que conseguirá sócios para levar a obra adiante.

A nova Lei de Ferrovias, sancionada em 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro, pôs fim ao regime de concessão —com mais intervenção do poder público— e passou a emitir autorizações. Já são quase 40 novos pedidos junto à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

Para obtê-las, é preciso atender aos requisitos definidos pela agência. Aprovada a licença, o grupo tem até um mês para assinar um contrato com a ANTT. O prazo inicial para a aprovação do projeto de engenharia é de dois anos.

A TAV assinou o contrato com a agência na quinta-feira (2). A partir de agora, começam as conversas e acordos com prefeitos e governadores por onde a ferrovia vai passar para emissão de licenças ambientais e de instalação.

Também haverá conversas em torno das estações de partida e chegada. Figueiredo disse que haverá conexão, em São Paulo, com trens da CPTM que fazem a ligação com a região de Campinas (SP), onde está o aeroporto de Viracopos.

No Rio de Janeiro, está prevista uma estação na SuperVia, em Santa Cruz. “Isso vai exigir investimento da concessionária na sua malha. Pode ser que o prefeito do Rio queira levar o trem mais para o centro ou levar até a Barra da Tijuca. Isso vai mudar conforme as negociações avançarem”, disse Figueiredo.

No traçado inicial, estão previstas quatro estações. São elas: São Paulo, São José dos Campos, Volta Redonda e Rio de Janeiro. A viagem de 380 km será feita em 1h30. Um voo comercial entre as duas cidades dura 50 minutos. De carro, o trecho pode ser feito em até quatro horas a uma velocidade de 100 km/h e sem paradas. A ideia da TAV é fazer a viagem inaugural em dezembro de 2032.

Para construir a ferrovia, a empresa planeja três tipos de parcerias. Além dos investidores financeiros, miram um construtor da via; outro grupo especializado na fabricação de trens e, por fim, um operador. Nesse ramo, todos são estrangeiros.

Os chineses saem em vantagem por terem interesse em financiar a infraestrutura na América Latina. Em quase todos os projetos, o financiamento exigiu, como contrapartida, a contratação ou compra de insumos de fabricantes chineses.

A China já concentra a maior malha ferroviária de alta velocidade do mundo, com 22 mil quilômetros de extensão. Também é do país o primeiro trem-bala de levitação magnética —o mais rápido do mundo. A 460 km/h, ele percorre os 30 km que separam o aeroporto de Shangai do centro da cidade em apenas sete minutos e meio.

“Projetos dessa magnitude acabam sempre contando com dinheiro público”, diz Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B, consultoria para grupos de infraestrutura. “Não há lugar no mundo que trens de alta velocidade tenham sido feitos com capital privado.”

Para ele, o volume de recursos a ser consumido durante a construção da obra —em geral, mais de dez anos— demora demais para ser amortizado com a venda de passagens quando os trens começarem a funcionar.

“Além disso, haverá demanda?”, questiona Frischtak. “Os estudos de viabilidade do passado não se mostraram muito confiáveis. Daqui dez anos as passagens aéreas estarão elevadas a ponto de justificar ir de São Paulo para o Rio de trem?”

O analista considera que, em vez de um trem-bala, o mais razoável seria ressuscitar um antigo projeto de empreiteiras brasileiras de transformar a ferrovia Rio-Santos em uma linha de média velocidade —até 190 km/h. “Seriam viagens de passageiros durante o dia e, à noite, funcionaria o transporte de cargas.”

A ex-secretária-executiva do Ministério da Infraestrutura Natália Marcassa avalia que possa haver apetite para um trem de alta velocidade fazendo a conexão Rio-São Paulo, especialmente entre grupos imobiliários.

No entanto, pondera que o momento não é bom porque a situação econômica no exterior leva os investidores a preferirem manter o dinheiro em aplicações em países seguros onde os juros estão em patamares elevados devido à inflação.

“A grande diferença em relação ao passado é que, desta vez, esse projeto [do trem-bala] será 100% privado”, disse. “O risco todo do negócio fica com o empreendedor e isso ajuda na busca de parceiros porque ninguém quer fazer um investimento e ficar muito preso ao Estado.”

A grande maioria dos comboios de alta velocidade em operação no mundo é movida por eletricidade. Desenvolvidos principalmente pela Alstom (França) e Siemens (Alemanha) para empresas ferroviárias estatais, os trens vêm sendo aprimorados (para ficarem ainda mais velozes) e exportados para diversos países com mais ênfase na última década.

A espanhola InterCity, por exemplo, começou sua frota da AVE utilizando os trens da Alstom, que também foram exportados para Suíça, Coreia do Sul, Taiwan, Itália e EUA. Os trens mais modernos e mais rápidos hoje utilizados são da Talgo e da Bombardier.

Em 2018, o Marrocos foi o primeiro país da África a inaugurar um trecho de sua ferrovia de alta velocidade com trens franceses. O projeto, que prevê uma malha de 1.500 km, custará US$ 2 bilhões (R$ 10,4 bilhões).

Na Arábia Saudita, a Haramain High Speed Railway foi construída para atender 60 milhões de passageiros por ano, dos quais até 4 milhões de peregrinos que, uma vez por ano, congestionam as rodovias entre Meca e Medina.

Apesar da crise financeira causada pelo coronavírus, as operações desses trens são rentáveis. A francesa SNCF, por exemplo, que opera o TGV, anunciou no ano passado um lucro de 2,4 bilhões de euros (R$ 13,3 bilhões), ante os 890 milhões de euros (R$ 4,9 bilhões), em 2021.

A companhia, no entanto, contou com a ajuda do governo francês em um programa de refinanciamento que cortou sua dívida em 35 bilhões de euros (R$ 193 bilhões).

Analistas de mercado afirmam que esse modelo só para em pé porque há volume de viagens. Isso se explica, especialmente, pela ramificação de vias pelos países e a conexão entre capitais por trem.

É essa particularidade que torna o projeto brasileiro mais arriscado. “Estamos falando do principal trecho de movimentação do país”, diz Frischtak. “Há aviões, carro e ônibus fazendo o eixo Rio-São Paulo.”

A TAV Brasil considera que está alinhada com o último plano divulgado pela ANTT, que prioriza o transporte ferroviário no país para reduzir a dependência das rodovias —no transporte de carga e também de passageiros.

“São 40 milhões de passageiros potenciais para o trecho”, disse Figueiredo.

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