A M.Officer, em processo de recuperação judicial, não está sozinha na lista de empresas de vestuário renomadas dos anos 80 e 90 que viram seu prestígio desvanecer ao longo do tempo. Reconhecidas como símbolos de status três décadas atrás, marcas como Triton, Forum, Colcci, Ellus e Dzarm, entre outras, perderam terreno e reconhecimento no dinâmico mercado da moda, embora algumas ainda mantenham uma situação financeira estável.
Direcionadas ao público das classes A e B, essas marcas, incluindo algumas que já desapareceram como Zoomp e Zapping, prosperaram em uma era onde a economia brasileira era bastante restritiva, e poucos brasileiros viajavam ao exterior ou tinham acesso a tendências internacionais.
Consequentemente, os estilistas dessas marcas se tornaram ícones não apenas de moda, mas de um estilo de vida aspiracional, conforme aponta Jean Paul Rebetz, sócio da consultoria Gouvea e executivo da Forum nos anos 90. Entretanto, com a abertura do mercado brasileiro na década de 90 e a chegada de marcas internacionais, o interesse pelas grifes nacionais de luxo diminuiu. “As marcas brasileiras enfrentaram pressão intensa em um cenário mais competitivo, onde o consumidor local via nos produtos importados um apelo e valor aspiracional maior. Além disso, tiveram desafios para se reinventar”, analisa o especialista em varejo e fundador da Varese Retail, Alberto Serrentino.
A consolidação do setor de moda nos anos 2000 também contribuiu para que estas empresas perdessem sua relevância. Muitas das grifes que outrora ditavam tendências no Brasil foram adquiridas, e alguns de seus criativos foram distanciados dos negócios, o que, segundo Rebetz, levou à perda de identidade dessas marcas. “A consolidação era um passo necessário para a profissionalização do setor, trazendo uma gestão mais racionalizada. No entanto, os criadores eram o coração dessas marcas”, afirma. O primeiro movimento nessa onda de aquisições foi a compra da Colcci pelo grupo catarinense AMC, que posteriormente adquiriu Forum, Triton e Tufi Duek. Simultaneamente, as marcas Zoomp, Zapping e Fause Haten foram incorporadas à I’M – Identidade Moda.
Serrentino reflete que, mesmo com a diminuição de espaço e importância no cenário fashion, algumas dessas grifes encontraram seu lugar sob o guarda-chuva de empresas financeiramente robustas – uma circunstância contrastante com a da M.Officer. Ele realça o exemplo da AMC, que detém uma posição “fortificada”. O Grupo Soma, proprietário da Dzarm, é outro que vem apresentando desempenhos positivos. Apesar de um retração no segundo trimestre deste ano, a empresa registrou um lucro de R$ 85,4 milhões no intervalo. Em comunicado, o Grupo Soma descreveu a Dzarm como uma marca “versátil, descolada e atemporal, que vem se adaptando à evolução da moda e às tendências de consumo por meio do investimento em coleções de moda sustentável”. Ressaltou que a grife alcançou, em 2022, o maior faturamento de sua trajetória, com uma receita correspondente a R$261 milhões.
Em nota, a AMC se autodenominou como um grupo de “proeminência” no setor de moda, e destacou que as marcas Colcci, Forum e Triton elevaram o número de peças comercializadas em 76% entre 2019 e 2022. Mencionou que a Colcci ganhou “notoriedade ao reintroduzir a icônica modelo brasileira Gisele Bundchen, marcando um novo início para a marca catarinense” e que, “com uma expansão que engloba mais de 3 mil pontos de venda multimarcas e planos de inaugurar 35 franquias até o encerramento do ano, a presença marcante da AMC Têxtil no setor fashion é indiscutível”.
Moda datada
Para a especialista em mercado de luxo da ESPM Katherine Sresnewsky, além da abertura comercial do País nos anos 90, os avanços tecnológicos também impactaram negativamente a relevância de grifes que décadas atrás carregavam verdadeiras legiões de fãs.
Ela avalia que a chegada da internet e das redes sociais são exemplos de como algumas marcas do mercado brasileiro não conseguiram “surfar” no “espírito do momento”, deixando essas etiquetas com uma cara mais “datada” em comparação aos negócios estrangeiros.
“Essas marcas sofreram porque não estavam com uma estratégia de produto muito bem desenvolvida, com qualidade e com identidade visual. Essa memória e o DNA delas foram se perdendo nessas empresas de moda”, diz. “Essas marcas brasileiras não conseguiram ser aqui no Brasil o que é a Levi’s, por exemplo, para o mercado americano.”
Um fator extra que colaborou para a perda de prestígio de nomes do mercado brasileiro foi o avanço do “fast fashion”. De acordo com especialistas, empresas como Zara e Mango (que deixou o Brasil, mas retomou as operações anos mais tarde) desembarcavam no País no começo dos anos 2000 ganhando território que antes era desbravado pelas grifes locais. Isso acontecia ao mesmo tempo em que gigantes do luxo internacional também chegavam com lojas próprias.
A exemplo da gigante espanhola, apesar de estarem posicionadas no segmento de “fast fashion”, essas marcas vieram ao Brasil com um tíquete médio mais alto do que a média em outros países operados pelas companhias, o que “reposicionou” essas empresas por aqui, colocando-as como concorrentes diretas das grifes nacionais.
“A Zara talvez tenha vindo com um grande mix de produtos. Ela chegou com calça, vestido e blusa. Um guarda roupa inteiro. Aí as marcas enfrentam dificuldades para competir. Elas perderam a musculatura porque não souberam adaptar os negócios”, afirma a professora da ESPM.
Segundo Jaime Troiano, da Troiano Branding, as etiquetas que movimentavam milhares de jovens 30 anos atrás não conseguiram transportar esse desejo pelas marcas para o mundo atual, perdendo a oportunidade de se transformar em clássicos do mercado, o que as manteve apenas como nomes de uma determinada moda, de um determinado tempo.
“É difícil, neste ritmo feroz da moda, estar sempre se renovando e tentando acompanhar as mudanças dos tempos. As marcas que têm essa capacidade de chegar ao fundo da nossa alma com alguma conexão ficam relevantes para a eternidade”, avalia. “O número de marcas que viraram clássicas é bem pequeno.”