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Estados não podem limitar vagas para mulheres em concursos, dizem especialistas

A Procuradoria-Geral da República ajuizou no Supremo Tribunal Federal 14 ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema

Fonte: Conjur

Segundo especialistas consultadas pela revista eletrônica Consultor Jurídico, os estados não podem limitar o acesso de mulheres a cargos públicos, fixando número de vagas inferior à destinada a homens em concursos.

A Procuradoria-Geral da República ajuizou no Supremo Tribunal Federal 14 ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema (leia mais abaixo). O órgão questiona editais que limitaram a inscrição de mulheres em concursos para a Polícia Militar e Corpo de Bombeiros. Os pedidos serão analisados no Plenário Virtual a partir da primeira semana de fevereiro.

Para a constitucionalista Vera Chemim, ainda que os estados tenham autonomia para legislar sobre o assunto, as normas não podem contrariar princípios e direitos fundamentais da Constituição, tais como o da igualdade, da universalidade do acesso aos cargos públicos e da reserva legal.

“Restringir a priori, a admissão em concurso público de pessoas do sexo feminino a um percentual de vagas afronta de morte os direitos fundamentais individuais das mulheres. Trata-se, pois, de norma inconstitucional em sua origem, tendo em vista que impõe uma discriminação in abstract para a participação de mulheres em concurso público”, explica.

De acordo com ela, só há previsão para limitar o acesso a concursos públicos em casos excepcionais. A Súmula 683, do Supremo, por exemplo, admite limitação por idade, desde que isso se justifique pela atribuição do cargo a ser preenchido.

“É possível que o edital de um concurso público fixe critérios como, por exemplo, o de limite de idade, desde que haja previsão em lei e se justifique pela natureza das atribuições do cargo (decorrente de pacificação de entendimento dessa questão no STF). Nesse caso, não se trataria de uma discriminação ex-ante, de caráter abstrato e, sim, de uma previsão legal devidamente fundamentada, em razão de uma situação concreta específica e não generalizada e das atribuições do cargo”, diz.

“A jurisprudência do STF passada e recente é bastante clara e elucidativa ao afirmar que normas estaduais que limitam o acesso de mulheres violam os princípios da igualdade, da universalidade de acesso aos cargos públicos e o da reserva legal”, conclui.

Para a advogada Luciana Berardi, ex-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP e professora de Direito Administrativo da EGC/SP, as leis estaduais não podem criar regras que acabem por discriminar pessoas em razão do sexo.

“Nenhum ente federativo tem competência para dispor sobre regras desta natureza, pois afrontam diretamente a Constituição. Vale lembrar que as únicas discriminantes legais constitucionas para regras desta natureza é o acesso à reserva de vagas por negros e pessoas com deficiência”, explica.

Ela destaca ainda que a limitação viola o direito isonômico de homens e mulheres ao acesso a cargos públicos.
“As leis criam uma discriminante em razão do sexo, ferindo assim diretamente o principio da isonomia, disposto no artigo 5 º da Constituicao, no capítulo de direitos e garantias fundamentais. Ou seja, é uma violência clara ao princípio constitucional da igualdade, que garante os mesmos direitos e obrigações entre homens e mulheres.”

Ceres Rabelo, mestre em Direito e especialista em cursos preparatórios para concursos públicos, explica que os estados têm uma certa autonomia para legislar sobre o tema. A autonomia, no entanto, deve estar em consonância com princípios constitucionais.

A limitação de gênero para cargos na Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, diz, reforça estereótipos de gênero, como se mulheres não fossem capazes de exercer certos cargos.

“A igualdade de gênero é um princípio fundamental para uma sociedade justa e democrática. Limitar vagas por gênero em concursos públicos vai de encontro a esse princípio, uma vez que perpetua estereótipos e preconceitos de gênero. É importante que as mulheres tenham as mesmas oportunidades que os homens em todas as esferas da sociedade, inclusive no acesso a cargos públicos.”

Para ela, os casos que serão analisados pelo Supremo são de “extrema importância”, uma vez que podem ajudar na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Ela cita como exemplo decisões anteriores do STF que barraram a limitação e obrigaram os estados a adotarem ampla concorrência para todos os inscritos.

“Vários concursos foram suspensos até o julgamento da liminar e isso representa um marco na luta pela igualdade de gênero, pois está sendo reconhecido que limitar vagas por gênero em concursos públicos é inconstitucional e viola os direitos fundamentais das mulheres. As ações da PGR são de extrema importância para garantir que as mulheres tenham as mesmas oportunidades que os homens em todas as esferas da sociedade. O julgamento dessas ações é um passo importante na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.”

Rebecca Paranaguá Fraga, sócia do escritório Bento Muniz Advocacia, também destaca que nos últimos meses o Supremo deu diversas decisões liminares suspendendo concursos públicos na área de segurança pública porque eles limitavam a participação de mulheres.

Para ela, a tendência é de que entendimentos semelhantes sejam adotados nas ações propostas pela PGR.

“Esse entendimento deverá ser adotado também no julgamento da ADI 7.481, proposta pela Procuradoria-Geral da República contra a Lei Complementar estadual 587/2013, que estabeleceu percentual mínimo de vagas para mulheres em concursos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina, e que será levado a julgamento na primeira semana de fevereiro de 2024, por meio do Plenário Virtual”.

Ações da PGR e decisões do STF
Em outubro, a PGR entrou com 14 ADIs questionando leis estaduais que estabelecem percentuais para o ingresso de mulheres por concurso público na PM e no Corpo de Bombeiros.

O órgão argumenta que não há nenhum respaldo constitucional para a fixação de percentuais para mulheres no acesso a cargos públicos, criando discriminação em razão do sexo. Para a PGR, a única hipótese válida de tratamento diferenciado seria para ampliar o ingresso de parcela histórica ou socialmente discriminada, como nos casos de vagas destinadas a pessoas negras ou portadoras de deficiência.

Ao pedir que o STF analise as normas, a autora ressalta que seu objetivo é garantir o direito isonômico de acesso a cargos públicos nas corporações militares, de modo que todas as vagas sejam acessíveis às mulheres, caso sejam aprovadas e classificadas nos concursos correspondentes, concorrendo em igualdade de condições com os homens.

As ações questionam leis dos seguintes estados: Tocantins (ADI 7.479); Sergipe (ADI 7.480); Santa Catarina (ADI 7.481); Roraima (ADI 7.482); Rio de Janeiro (ADI 7.483); Piauí (ADI 7.484); Paraíba (ADI 7.485); Pará (ADI 7.486); Mato Grosso (ADI 7.487); Minas Gerais (ADI 7.488); Maranhão (ADI 7.489); Goiás (ADI 7.490); Ceará (ADI 7.491) e Amazonas (ADI 7.492).

Ministros do STF entenderam de forma semelhante em ao menos seis decisões liminares dadas de setembro de 2023 para cá. Em uma delas, o ministro Cristiano Zanin suspendeu um concurso da PM-DF por entender que a limitação de vagas afronta o princípio da igualdade de gênero (ADI 7.433)

Zanin destacou que um dos objetivos fundametais da República é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. Tal proibição vale para o exercício e o preenchimento de cargos públicos.

Em outubro, foi a vez do ministro Dias Toffoli dar decisão semelhante. Ele suspendeu concurso para a PM do Pará que limitava o ingresso de mulheres a 20% das vagas.

Toffoli destacou que a Constituição Federal prevê igualdade entre homens e mulheres e proíbe, no âmbito das relações de trabalho, a diferenciação de critério de admissão por motivo de sexo, regra extensível ao serviço público.

Ele explicou que, embora o texto constitucional admita requisitos diferenciados de admissão, essa permissão somente se dá na medida das exigências relacionadas à natureza do cargo, desde que não ofendam preceitos fundamentais.

A ministra Cármen Lúcia também suspendeu um concurso, desta vez da PM de Santa Catarina. Ela destacou que o princípio constitucional da igualdade garante os mesmos direitos e obrigações aos homens e mulheres, proibindo a diferenciação de salários, do exercício de funções e do critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

Segundo a ministra, a limitação prevista nos editais fragiliza a participação das mulheres e contraria a necessidade de igualdade buscada no sistema constitucional vigente.

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