Um sistema que produz vegetais e pequenos animais para consumo local será reproduzido em, pelo menos, mil propriedades familiares em todas as regiões do Brasil. Desenvolvido originalmente nos laboratórios da Universidade Federal de Uberlândia, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais e aperfeiçoado na Embrapa, o Sisteminha Comunidades é uma tecnologia capaz de combater a fome no campo.
Aplicada com sucesso em comunidades no Brasil e na África, a tecnologia será multiplicada em escala nacional por meio de ações do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), com apoio da Embrapa, Institutos Federais de Educação Técnica e outras instituições. O MDA está organizando a formação de uma rede nacional para levar o Sisteminha Comunidades a mil localidades nas cinco regiões brasileiras, no prazo de 36 meses.
“A rede não se limitará a mil famílias. Esse é um número que consideramos alcançável para os R$ 14 milhões iniciais de investimento do Ministério. Porém, queremos que o projeto continue crescendo e garantindo segurança alimentar a muito mais pessoas“, declarou o secretário de Territórios e Sistemas Produtivos Quilombolas e Tradicionais do MDA, Edmilton Cerqueira, na manhã do dia 20 de março, durante a abertura de uma oficina voltada a estruturar a rede, realizada em Brasília, durante 3 dias.
A participação da Embrapa na rede faz parte de um esforço da empresa de intensificar o trabalho com comunidades e povos tradicionais, de acordo com a diretora de Negócios da estatal, Ana Euler. “Estamos com trabalhos com a comunidade quilombola Kalunga, com povos indígenas e grupos sociais de mulheres. Estamos reformulando a transferência de tecnologia para que as soluções cheguem cada vez mais a esses públicos”, anunciou a diretora.
O criador do Sisteminha, o pesquisador Luiz Carlos Guilherme, da Embrapa Cocais (MA) explicou que a tecnologia foi concebida para ser uma solução efetiva ao problema da fome, com a qual a comunidade é capaz de produzir o próprio alimento. “É voltado a qualquer cidadão que queira aumentar a sua diversidade de alimentos seja no meio rural, urbano e periurbano”, comentou.
No encerramento da oficina a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, oficializou a parceria assinando um Termo de Execução Descentralizada (TED) com o MDA. Ela destacou que o Sisteminha cumpre o desafio de contribuir com o Governo Federal na redução da insegurança alimentar e no combate à fome. “A ciência só tem significado se alcançar a cada um dos brasileiros”, declarou a presidente, lembrando que a etapa de expansão da tecnologia irá alcançar 500 mulheres chefes de família.
Também participaram da solenidade o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), César Fernando Schiavon; a coordenadora-geral de governança Fundiária e Territorial de Quilombos e Povos Tradicionais do MDA, Ana Maria Sales Placidino; a secretária-executiva adjunta do MDA, Marina Godoi de Lima; o chefe-geral da Embrapa Cocais, Marco Bonfim, além de parceiros da sociedade civil.
O que é o Sisteminha?
Trata-se de um sistema de baixo custo inicial que integra a criação de peixes à produção vegetal e outros tipos de criação. De pequeno porte, a tecnologia é voltada à prover segurança e soberania alimentar aos usuários, sendo projetada para pequenas propriedades (a partir de 100m2). Com o passar do tempo, ele gera excedentes de produção que podem ser comercializados promovendo também o desenvolvimento social.
Versátil, o Sisteminha pode ser facilmente adaptado às necessidades, experiência, preferências do produtor e condições de clima, solo, água e mercado locais. Recentemente, ele recebeu uma versão voltada ao empreendedorismo comunitário, batizada de Sisteminha Comunidades, que contempla o desenvolvimento local com parte da produção voltada ao mercado. (Saiba mais sobre o Sisteminha nesta página)
O Sisteminha foi implantado com sucesso em comunidades no Maranhão, onde virou política pública sendo implantado nos 30 municípios mais carentes do estado. Também tirou da fome famílias em países africanos como Gana, Uganda e Moçambique. E agora com a parceria com o MDA ganhará escala e se expandirá para todo o Brasil (ver box sobre a estratégia de expansão)
“Quando começamos, a maioria de nós não tinha o básico para comer”, conta Milena Pereira Martins, do Quilombo São Martins em Paulistana (PI). “Uma família começou [o Sisteminha] e outras perceberam que se todas entrassem a compra de insumos iria ser mais fácil e a produção aumentaria para todo mundo”, relatou durante a Oficina.
Antônia Maria Messias do Nascimento, etnia indígena Krenyê no Maranhão, contou que a comunidade depende de um único meio de transporte para acessar a cidade mais perto que fica a 60 quilômetros da aldeia Pedra Branca, onde mora. Entre os mantimentos que mais transportava estavam os ovos, por terem preço mais acessíveis. “Essas são as nossas galinhas hoje do Sisteminha”, mostrou a foto em sua apresentação, “em pouco tempo, já teremos ovos lá mesmo”, apresentou.
Solução nasceu de uma dificuldade de pesquisa
A tecnologia social conhecida hoje como Sisteminha teve seu início em uma pesquisa de doutorado de Luiz Guilherme, em 2002, na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). À época, ele estudava peixes do rio Uberabinha e precisou desenvolver tecnologias para manter esses animais em pequenos espaços. A necessidade levou à criação de um biofiltro e de um sistema de recirculação da água.
A tecnologia foi patenteada em 2005, e seu desenvolvimento foi financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Em 2008, Guilherme ingressou na Embrapa Meio-Norte, na Unidade de Execução de Pesquisa (UEP) de Parnaíba, litoral do Piauí, onde a ideia ganhou corpo até ser finalizada em 2011.
O módulo pioneiro começou então a ser usado no treinamento de indígenas das tribos Nova Gavião e Juçaral Guajajara, do município de Amarante do Maranhão, e de pequenos agricultores do entorno da Embrapa em Parnaíba.
Tecnologia terá princípios norteadores para sua expansão
A expansão do sisteminha seguirá princípios norteadores para sua instalação. Foi o que ficou decidido durante a oficina que discutiu o escalamento da tecnologia. O encontro reuniu a rede formada por institutos federais de educação, universidades públicas, organizações de assistência técnica e extensão rural, pesquisadores da Embrapa, associações entre outros
“A nossa perspectiva é dar um ganho de escala à tecnologia com apoio de uma política pública”, explicou o chefe-geral da Embrapa Cocais, Marco Bonfim. A estratégia de expansão contará com a figura dos multiplicadores populares. “Os agentes de ATER irão até as comunidades para fazer a capacitação nas comunidades e, ao mesmo tempo, identificar aqueles produtores que têm habilidade e aptidão para trabalhar na instalação. Eles passarão a ser referência no território. E assim garantimos que o conhecimento permaneça no local e se multiplique, trazendo mais autonomia para os agricultores”, explicou Bonfim.
Em uma primeira etapa, a estratégia de expansão será aplicada onde já existe uma base de conhecimento do sisteminha: nas regiões de Paulistana (PI), Arari (MA), Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) e posteriormente nas demais regiões do Brasil, pois também há o compromisso firmado com o MDA de levar a tecnologia para o Sul, Sudeste, Norte e Centro-Oeste.
“Para isso, nossa meta será ampliar as parcerias com os institutos federais, hoje temos atuação conjunta com os institutos do Maranhão e da Bahia, mas nosso objetivo é ampliar para os IFs de todo o Brasil. Os IFs passam a ser os nossos principais parceiros, por sua capilaridade e pela presença dos jovens”, afirmou.
A Embrapa fornecerá um processo de formação continuada permanente para os multiplicadores e contará com o apoio da rede que também atuará nas capacitações. Serão utilizados ainda processos de capacitação virtuais, inclusive com o fortalecimento da comunicação digital.
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