O governo espanhol anunciou neste domingo (19) que chamou de volta para consultas a embaixadora espanhola na Argentina, acusando o presidente argentino Javier Milei de ter “insultado a Espanha” e Pedro Sánchez, presidente do governo do país, cargo equivalente ao de primeiro-ministro.
As declarações de Milei foram feitas durante um discurso em Madri horas antes, em um congresso do Vox, partido da extrema-direita espanhola, que também contou com a presença da francesa Marine Le Pen. O jornal francês Le Monde destacou que, durante a visita de três dias na Espanha, Milei “não sei encontrou nem com o rei Felipe VI nem com Sánchez, com o qual tem relações diplomáticas frias”.
— As palavras extremamente graves pronunciadas hoje [domingo] pelo senhor Milei em Madri vão além de qualquer tipo de divergência política e ideológica. Por isso, acabo de chamar de volta a nossa embaixadora em Buenos Aires para consultas e a Espanha exige um pedido público de desculpas. Caso isso não ocorra, tomaremos todas as medidas que entendermos adequadas para defender a nossa soberania e dignidade — disse o ministro de Assuntos Exteriores espanhol José Manuel Albares.
Albares se referiu às declarações feitas por Milei durante o “Europa Viva 24”, congresso do Vox, partido da extrema-direita espanhola, sobre a mulher do primeiro-ministro Pedro Sánchez, Begoña Gómez, ao se referir a ela como “corrupta”. Gómez está sendo investigada pela justiça espanhola por suposto tráfico de influências e corrupção e, por causa disso, Sánchez suspendeu sua agenda pública por alguns dias para decidir se seguiria à frente do governo espanhol.
— As elites globais não percebem quão destrutivo pode chegar a ser implementar as ideias do socialismo, porque isso está muito distante, não sabem que tipo de sociedade e país podem produzir […]. Mesmo quando a mulher for corrupta, se sujar e tirar cinco dias para pensar — disse Milei durante o evento.
Em uma mensagem publicada no X (antigo Twitter), o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, expressou seu apoio ao governo espanhol, afirmando que “ataques contra parentes de líderes políticos não têm lugar em nossa cultura: nós os condenamos e rejeitamos, especialmente quando vêm de aliados”.
Desentendimentos constantes
Esse novo desentendimento entre Madri e Buenos Aires se soma ao que ocorreu recentemente por causa das palavras do ministro dos Transportes da Espanha, Óscar Puente. Puente cometeu o “erro” — de acordo com seu próprio pedido de desculpas posterior — de afirmar que Milei havia ingerido “substâncias” antes de um discurso.
“Há pessoas muito ruins que, sendo elas mesmas, chegaram ao topo”, acrescentou, referindo-se ao líder argentino.
O governo argentino emitiu uma declaração dura condenando essas palavras, mas, após o pedido de desculpas de Puente, a questão foi “resolvida” e “finalizada”, de acordo com o porta-voz da presidência argentina, Manuel Adorni, no último dia 6 de maio.
Milei foi a estrela do evento deste domingo, desferindo ataques ao socialismo e clamando pela união entre os ultranacionalistas europeus para enfrentá-lo.
— Não vamos nos render ao socialismo, vamos enfrentá-lo com mais coragem — disse Milei, cuja vitória nas eleições argentinas de 2023, com um discurso descomplicado e furioso, fez dele um ponto de referência para os movimentos “patrióticos” europeus. — Parece que somos poucos, mas não temos nada a temer, porque a vitória no campo de batalha não depende do número de soldados, mas das forças que vêm do céu.
Diante de representantes e apoiadores de um movimento dividido no Parlamento Europeu e com pouca experiência no poder, Milei prometeu “liderar pelo exemplo e mostrar ao mundo que um governo com nossas ideias pode ser bem-sucedido”.
O evento em Madri foi organizado pelo partido espanhol Vox antes das eleições europeias serem realizadas na Espanha no próximo dia 9 de junho. Seu líder, Santiago Abascal, chamou Milei de “nossa estrela brilhante”. O comício reuniu milhares de pessoas no pavilhão Vistalegre, em Madri, entre as quais havia principalmente espanhóis, mas também argentinos, venezuelanos e cubanos.
Os presentes compareceram com camisas da seleção argentina e bandeiras adornadas com slogans de Milei, como “Viva la libertad, carajo”, ou mensagens dirigidas a ele: “Sos la esperanza para volver a mi tierra” (Você é a esperança para voltar à minha terra), dizia uma delas.
Ultradireita internacional
Com o evento deste domingo, chega ao fim a primeira viagem de Javier Milei à Espanha desde que ele se tornou presidente da Argentina em dezembro. Uma visita que começou na sexta-feira e na qual ele não se reuniu com nenhum membro do governo espanhol do socialista Pedro Sánchez. Tampouco foi recebido pelo rei Felipe VI, como costuma acontecer.
Sánchez, que durante as eleições argentinas expressou seu apoio a Sergio Massa, rival de Milei, criticou a manifestação deste domingo antes de seu início.
“A ultradireita internacional está se reunindo hoje na Espanha com Abascal e Milei à frente. E eles fazem isso aqui porque a Espanha representa o que eles odeiam: feminismo, justiça social, dignidade trabalhista”, escreveu Sánchez no X.
O evento também contou com a presença de figuras da extrema direita, como a francesa Marine Le Pen, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, e a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni — os dois últimos por vídeo — e o chileno José Antonio Kast.