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Vacina que eliminou a pólio no Brasil tem baixa adesão

Rio de Janeiro está entre os três estados com pior índice de imunização contra a doença

Fonte: Cleide Carvalho

A última campanha de imunização contra a poliomielite feita com a vacina Sabin chega ao fim com baixa adesão: até o fim de junho, apenas 31% das crianças com até 5 anos de idade receberam as gotinhas, que deram origem ao personagem Zé Gotinha, símbolo da imunização no Brasil.

A vacina, que começou a ser usada em julho de 1961 — numa campanha destinada a abranger 25 mil crianças no ABC paulista — e eliminou a doença no país, será totalmente substituída pelo imunizante injetável, que desde 2016 vem sendo usado nas três primeiras doses. Agora, a Vacina Inativada Poliomielite, ou VIP, será usada também nas doses de reforço.

O apático fim das gotinhas, que ganharam a confiança dos brasileiros em grandes campanhas nacionais com “dia D de vacinação”, marca o desafio do Brasil de sair da lista de países com alto risco de voltar a ter casos da doença. A poliomielite — ou paralisia infantil — é uma doença contagiosa, causada pelo poliovírus, que pode infectar crianças e adultos.

A doença segue endêmica em países como Afeganistão e Paquistão e a Organização Panamericana de Saúde (Opas) preconiza um índice de vacinação de 95% para eliminar o perigo de o vírus voltar a circular onde já foi eliminado. Em 2023, o Brasil vacinou 84,2% das crianças, mas a desigualdade é grande.

Dos 5.570 municípios, 1.092 registraram índices abaixo da média nacional. Um grupo de 56 municípios de 14 estados apresenta os piores resultados, com menos da metade das crianças de até 1 ano vacinadas. O Rio de Janeiro está entre os três estados com pior índice de cobertura, junto com Amapá e Roraima.

Um levantamento feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostra que, das crianças nascidas em 2022, 243 mil não receberam sequer a primeira dose. No ano passado, nasceram 2,42 milhões de crianças no país e 152,5 mil ficaram sem a vacina.

No fim de junho, numa visita a Belford Roxo, no Rio de Janeiro, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, fez um apelo aos pais e responsáveis para que vacinem as crianças.

O município da Baixada Fluminense terminou 2023 com apenas 31,07% de suas crianças imunizadas contra a pólio. É menos do que Amajari, na fronteira com a Venezuela, que ostenta o pior Índice de Desenvolvimento Humano de Roraima, na Amazônia, e está entre os piores do país. Amajari vacinou 33,36% de suas cerca de 1.700 crianças. Belford Roxo tem 25.423 crianças na faixa etária da vacinação de pólio.

— O Brasil melhorou em relação a 2022, mas ainda não atingiu a meta de 95%. Cada dia que passa abaixo dela, a vulnerabilidade continua. É preciso aumentar a velocidade da resposta — afirma Luciana Phebo, responsável pela área de saúde do Unicef.

O que se pergunta é por que pais, mães e responsáveis deixam de levar as crianças para vacinar.

— Essa geração de pais não tem memória da doença. Por isso não se sente motivada a vacinar — diz o Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

O primeiro registro de surto de paralisia infantil no Brasil é de 1911, com repetições nas décadas seguintes. Uma grande epidemia no Rio de Janeiro, em 1953, mobilizou a opinião pública e as autoridades, mas pouco havia a ser feito. Só a partir da década de 50 o desenvolvimento de vacinas se acelerou.

As campanhas de vacinação se multiplicaram a partir da década de 70, mas muitas delas tardias, após surtos já instalados. Segundo o artigo “A história da poliomielite no Brasil e seu controle por imunização”, de 2003, a primeira vacinação em massa que atingiu todo o território nacional ao mesmo tempo só aconteceu em 1980, com a criação dos dias nacionais de vacinação. A ação foi considerada determinante para o controle da doença, alcançado em 1994, quando o país recebeu a Certificação da Erradicação da Poliomielite.

No Brasil, o último caso de paralisia infantil ocorreu em 1989, no município de Souza, na Paraíba. Em 2023, a cobertura vacinal no município foi de 88,09% — abaixo da meta necessária. Nesta última campanha, até o fim de junho a cidade vacinou 1.405 de suas 3.518 crianças elegíveis para a imunização — 39,94% do total.

A transmissão da pólio se dá por contato com secreções de pessoas contaminadas (ao falar, tossir ou espirrar) ou com objetos, alimentos ou água contaminados por fezes de doentes ou portadores do vírus. As más condições de saneamento básico aumentam o risco.

Quem viveu a infância e a adolescência antes do controle da paralisia infantil tem vivo na memória a imagem de colegas de escola, amigos ou vizinhos vítimas da doença. As sequelas incluem paralisia ou crescimento diferente de uma das pernas, paralisia dos músculos da fala e deglutição, atrofia muscular e pé equino, em que a pessoa não consegue andar porque o calcanhar não encosta nos chãos.

A única forma de prevenção é a vacina, mas brasileiros relatam dificuldades para imunizar as crianças. Reclamam de salas de vacinação que fecham muito antes do término do horário de trabalho dos pais e responsáveis, falta de vacinas justamente no dia que o cidadão vai ao posto de saúde com a criança ou longas esperas. O simples esquecimento também aparece entre as explicações.

E não é só com a vacina da pólio que isso acontece. A maioria das vacinas do calendário infantil está abaixo da meta de imunização.

A secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, afirma que já em 2023 foram liberados R$ 150 milhões para que os municípios adequem o atendimento das salas de vacinação, ampliem horários de atendimento, instalem refrigeração para os imunizantes ou até mesmo geradores onde não há garantia de fornecimento de energia.

— Fomos aos estados para entender a dificuldade de vacinação e percebemos que os problemas de estrutura e atendimento são diferentes. Fizemos programas de multivacinação nas escolas e vamos continuar a investir nessas ações durante todo o período de governo — diz Ethel.

A secretária lembra que a curva de queda de imunização, iniciada em 2015, foi interrompida no ano passado, mas reconhece que o grupo antivacina, que não passava de 1% da população, cresceu, chegando a 11% durante a pandemia de Covid-19.

Apesar das dificuldades, Ethel acredita que o baixo índice alcançado pela campanha de vacinação contra a pólio não vai atrapalhar a meta do ano. Segundo ela, se contada imunização de rotina, o índice estava em 82,65% até o fim de junho.

— Nossa perspectiva é alcançar a meta de 95% de crianças vacinadas ainda este ano — afirma.

As doses de Sabin vão continuar disponíveis nas unidades de saúde até o término do estoque.

Procuradas, as secretarias de saúde de Jaboticabal e de Praia Grande, no interior e litoral paulista respectivamente, e mais Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, afirmaram que têm realizado ações para mitigar a baixa adesão às vacinas. Praia Grande afirmou que, além de disponibilizar vacinação todos os dias da semana, realiza “busca ativa e convocação dos pacientes através das equipes de saúde” para receberem as doses. Há ainda aplicação de doses em escolas. Já Jaboticabal diz que têm investido em campanhas de divulgação aos imunizantes em diversos canais, incluindo as redes sociais. Duque de Caxias diz que trabalha para sensibilizar os pais e responsáveis para que mantenham as carteirinhas de vacinação em dia. Todas as prefeituras apontam que a queda e adesão da vacinação acompanha uma tendência nacional vista nos últimos anos e não dão explicações na dinâmica local para o baixo aceite de doses.” A baixa adesão às campanhas de vacinação é uma dificuldade vivenciada nacionalmente pelos municípios”, escreveu a prefeitura de Praia Grande. Duque de Caxias, por sua vez, ressaltou que ocorre na cidade “reflete” um cenário brasileiro. A prefeitura de Belford Roxo não respondeu aos pedidos da reportagem.

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