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Ela chegou com as gengivas sensíveis, vermelhas e rachadas, soltando pequenas casquinhas. Reclamava que ardia e doía ao toque, dificultando muito a higiene, já aparecendo os primeiros cálculos dentários. Era uma gengivite crônica descamativa.
A língua tinha áreas despapiladas circundadas por uma linha bem definida e nos locais em contato direto com os dentes, restaurações ou próteses. Estas áreas não mudavam de local, eram fixas, diferentes da língua geográfica. Na bochecha também tinha áreas avermelhadas alternadas com estrias brancas encostadas nos dentes.
QUEM DESCOBRIU
Luigi Galvani (1737-1798) descobriu que músculos de rã se contraíam quando fixados em uma barra de ferro em uma das pontas e, de cobre em outra. Ele percebeu que os músculos se movimentavam, pois havia uma energia passando por ali. Esta energia é conhecida como eletrogalvanismo em homenagem a Galvani.
Alessandro Volta (1745-1827) observou que se variasse os metais, gerava mais ou menos energia. Ele alternou pastilhas de zinco e cobre separadas por discos de papel úmido com acido sulfúrico. O tipo de combinação e quantidade das pastilhas, variava a potência da energia, hoje chamada de voltagem em homenagem a ele. Assim se descobriu as pilhas de hoje, fornecendo energia quimicamente gerada.
Os metais das restaurações, próteses e outros apetrechos na boca podem ser diferentes e unidos por um líquido químico representado pela saliva, podem gerar uma energia mínima chamada de micro-eletrogalvanismo. Se o metal for de estável em sua estrutura, não acontece nada com ele, mas se for instável pode corroer sua superfície e soltar produtos da corrosão bem pequenos, que só percebemos por que ficam escuros e ásperos.
Os implantes de titânio e zircônia são estáveis e ficam dentro do osso, sem contato com a saliva. Todos os metais colocados na boca devem ser estáveis, mas as vezes é difícil saber sua origem. Os utilizados na ortodontia, por exemplo, são bem estáveis.
LESÕES LIQUENOIDES
Os produtos da corrosão desses metais instáveis, que se soltam na saliva, podem se unirem à mucosa bucal, fazendo com que suas células fiquem estranhas para o sistema imunológico. Ele ataca e até destroem estas células, inflamando a área e gerando lesões, ulcerações, descamações e despapilamentos, principalmente na gengiva e língua.
Para parar o processo, tem que se remover os metais diferentes expostos à saliva, trocando as restaurações e próteses de metais diferentes. Deve-se trocá-los e provisoriamente usar resinas, porcelanas e outros não metálicos. O resultado tende a ser incrível depois de 60 a 90 dias. Não precisa tirar os implantes e nem os pinos e núcleos que ficam escondidos da saliva, e sem ela não haverá corrosão. Os implantes de titânio e zircônia são estáveis.
Isto não é alergia ou sensibilidade do paciente aos metais, isto não existe. É um tipo de autoimunidade induzida por corrosão de metais instáveis e diferentes presentes onde não deveriam estar pela sua qualidade. Fisicamente este processo se chama micro-eletrogalvanismo. Às vezes, aparentemente, é o mesmo metal, mas fabricados e colocados em épocas diferentes, com constituição também diferentes.
As lesões induzidas pelo micro-eletrogalvanismo são chamadas de liquenoides. Terminação em “oide” significa “parecido com”. Elas são iguais, clinica e microscopicamente, às lesões do líquen plano, uma doença autoimune associada ao estresse psicossomático, muito comum na pele e boca. As lesões liquenoides podem ser induzidas ainda por alguns medicamentos sistêmicos ingeridos por longos períodos. Tanto o líquen plano, como as lesões liquenoides, aumentam um pouco as chances de se ter câncer bucal, e por isto, é importante curá-las!
REFLEXÃO FINAL
A boca tem um meio ambiente rico em especificidades que dependem do equilíbrio entre a microbiota, alimentos, higiene e composição dos dentes. A inserção de elementos estranhos a este meio ambiente, deve ser muito bem planejada, incluindo-se a preocupação com o micro-eletrogalvanismo.
Alberto Consolaro é professor titular da USP e colunista de Ciências do JC.