A Shell vai estudar a possibilidade de explorar áreas de petróleo na Margem Equatorial, especialmente na Bacia da Foz do Amazonas (AP), caso o governo decida “abrir e avançar” na exploração da extensa região petrolífera entre o Amapá e o Rio Grande do Norte. A empresa já possui ativos na Bacia Potiguar (RN), também na Margem Equatorial, em áreas próximas às exploradas pela Petrobras, mas aguarda o desfecho do pedido de licenciamento da estatal para perfurar um poço na Foz do Amazonas.
Para o presidente da Shell no Brasil, Cristiano Pinto da Costa, a abertura da Margem Equatorial será uma das mais importantes decisões estratégicas da política energética do governo a serem tomadas nos próximos anos. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou a licença para que a Petrobras perfurasse um poço no bloco FZA-M-59, mas a estatal recorreu, enviou complementos aos estudos e tenta agora reverter a decisão do órgão ambiental. Dentro do governo, no entanto, não há consenso sobre o tema. Uma ala apoia o veto do Ibama, enquanto outra defende a exploração do potencial petrolífero da região.
Em entrevista ao Valor, Costa destacou que a questão ambiental é tão prioritária para a empresa anglo-holandesa e para o setor quanto a exploração econômica das reservas. “A indústria de óleo e gás possui um histórico de mais de 15 anos de exploração e produção do pré-sal com segurança. Continuaremos a seguir as diretrizes e recomendações do Ibama, demonstrando nossa capacidade de operar de forma segura e responsável.”
O executivo disse que a empresa e toda a indústria observam o movimentos da Petrobras na Margem Equatorial. A estatal indicou no plano estratégico 2024-2028 a intenção de perfurar até 16 poços na região, para decidir quais caminhos seguir na exploração e produção de petróleo, cujos sinais são de declínio nas áreas mais maduras a partir da próxima década.
Projeções recentes da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicam que o pico de produção de petróleo no país se dará em 2030, com trajetória de queda a partir daquele ano, caso não sejam repostas as reservas atuais. Recentemente, a diretora de licenciamento do Ibama, Claudia Barros, disse que decisão sobre a Margem Equatorial pode sair até o fim do ano.
“Não só a Shell: a indústria está olhando o que a Petrobras está fazendo e esperando os próximos passos, do governo e da estatal, para decidir se vamos ser um ator lá [na Margem] ou não”, disse Costa. Ele acrescentou: “O mais importante, no momento, é o governo brasileiro chegar a um consenso do que quer como nação. [Se quer] explorar e tentar entender qual é o tamanho das reservas naquela região.”
Na visão do executivo, o Brasil precisa avançar mais na exploração de outras regiões, indo além das conhecidas bacias de Campos e Santos. Junto com a Petrobras, a Shell arrematou 29 áreas na Bacia de Pelotas, localizada entre os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A Shell levou, sozinha, outros blocos no sul da Bacia de Santos, na direção de regiões de nova fronteira. “Há uma visão na indústria de que talvez as grandes acumulações do pré-sal já tenham sido descobertas. Há sinais de que a Bacia de Campos e o pré-sal já estão dando sinais de esgotamento.”
Costa destacou ainda que o adiamento da sessão pública da oferta permanente de áreas de petróleo, que aconteceria em dezembro e agora está prevista para o primeiro trimestre de 2025, não será um problema caso seja algo pontual. Porém, se o país deixar de realizar de forma recorrente leilões anuais de petróleo, como já ocorreu no passado, isso impactará a indústria, que funciona sob um cronograma de longo prazo.
Entre leilões e o primeiro óleo, em geral, são de sete a dez anos de atividades. “A regularidade anual de leilões ajuda na previsibilidade de grandes atores e da cadeia de suprimento”, afirmou. A ANP suspendeu os editais da oferta permanente para adequá-los a medidas definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), além de revisar o conjunto de áreas a serem negociadas. Algumas delas apresentam alta sensibilidade ambiental, segundo a ANP, que preferiu exclui-las das ofertas.
Outro ponto são as recentes medidas adotadas pelo governo para o mercado de gás natural, entre as quais, as que buscam reduzir a reinjeção do insumo e estabelecem revisões de planos de desenvolvimento pela ANP. O órgão regulador também deverá regulamentar o acesso à infraestrutura. Costa destacou que o decreto publicado pelo governo na semana passada está sendo estudado, mas a perspectiva de revisões de planos de investimentos de petroleiras aprovados é algo que preocupa.
O executivo cita nota do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) na qual a entidade afirma que o decreto “tem o potencial de gerar insegurança jurídica e elevar a percepção de risco, numa indústria caracterizada por vultosos investimentos de longo prazo e por uma cadeia ampla e complexa.”
Em paralelo às discussões na área de óleo e gás, o presidente da Shell aponta para os investimentos que a empresa vem fazendo em projetos ligados à transição energética. Um deles é no etanol de segunda geração, por meio da Raízen, joint venture composta pela petroleira e pela Cosan. O plano da Raízen é de construir nove usinas de etanol de segunda geração, cuja tecnologia aproveita o bagaço da cana-de-açúcar. A segunda unidade foi inaugurada em maio, com capacidade de produzir 82 milhões de litros por ano.
A Raízen também está começando a estudar o mercado de combustível sustentável de aviação (SAF), conta o executivo. Segundo Costa, o SAF é visto pela Shell e pela Raízen como uma potencial avenida para o uso do etanol como combustível para a descarbonização da aviação, segmento tido como difícil para a promoção da redução de emissões de gases de efeito estufa.
Esses e outros projetos de descarbonização, avalia, são exemplos dos investimentos que petroleiras fazem para financiar a transição energética. Costa salienta que o plano de negócios da Shell que foi anunciado em 2023 envolve investimento global entre 2023 e 2025 de montante entre US$ 10 bilhões e US$ 15 bilhões em soluções de baixo carbono. “Grandes companhias de óleo e gás ou empresas integradas de energia, como a Shell, são hoje alguns dos maiores investidores na transição energética”, afirmou.
Um ponto, porém, que requer atenção por parte do governo, é a carga tributária sobre o setor de petróleo, apontou o presidente da Shell no Brasil. Costa salienta que a cada três barris de petróleo que são produzidos no país, dois são destinados para o pagamento de impostos, taxas, royalties e participações especiais ao governo. O executivo defende que a indústria petrolífera seja excluída do chamado “imposto seletivo”, que estabelece alíquota adicional que pode chegar a 1% para atividades que podem trazer danos à saúde ou ao meio ambiente.
O tema está em tramitação na Câmara dos Deputados, onde a proposta é de incidência de um percentual extra de 0,25%. Inicialmente, o adicional seria de 1%, aprovado no Senado. Para Costa, o ideal seria não incidir o imposto seletivo sobre a cadeia. O executivo recorda que no ano passado incidiu temporariamente o imposto de exportação, o que preocupou o segmento. “Qualquer coisa feita para aumentar a carga tributária do setor de petróleo impacta negativamente sobre a competitividade brasileira.”