O juiz Manuel Eduardo Pedroso Barros, da 1ª Vara Cível de Samambaia (DF), declarou que um homem é indigno de receber parte da herança de sua filha, uma pessoa com deficiência (PcD), devido ao abandono afetivo e material constatado no processo.
A ação foi movida pelo outro filho do réu, que alegou que o pai nunca ofereceu assistência material ou emocional aos filhos. Segundo o autor, o pai jamais acompanhou sua irmã em consultas médicas ou contribuiu para o tratamento dela com medicamentos. No entanto, após a morte da filha, o homem buscou sua parte na herança, o que levou o irmão a pedir judicialmente que ele fosse excluído da partilha.
Em sua defesa, o réu afirmou que fez o possível para sustentar os filhos e participar de sua criação, apesar das dificuldades impostas pela ex-mulher. Ele apresentou fotos de eventos festivos, como a formatura do autor, para tentar comprovar sua participação.
Contudo, o juiz considerou que as provas apresentadas eram insuficientes e concluiu que o réu foi um pai ausente nos últimos 40 anos. “O conjunto probatório é forte no sentido de que o réu foi um pai ausente”, afirmou o magistrado.
Indiferença Afetiva e Falta de Assistência
Para o juiz Barros, a ausência do pai foi evidente “na educação e formação do autor e de sua irmã deficiente”, bem como na “indiferença de afeto que deveria nortear a especial relação entre pais e filhos”. Ele também destacou que o réu não transmitiu a segurança que deveria aos filhos, o que ficou comprovado pela existência de uma ação de execução de alimentos, evidenciando que a assistência material só foi prestada de forma forçada, e não espontânea.
O juiz rejeitou o argumento do réu de que a ex-mulher teria colocado obstáculos à convivência com os filhos. Segundo Barros, “há e havia remédios jurídicos”, como a regulamentação de visitas e oferta de alimentos, mas não houve nenhuma atitude proativa por parte do réu para tentar solucionar a situação.
Decisão Inédita e Precedentes
Barros reconheceu que a doutrina majoritária do Direito nega a exclusão de um herdeiro por abandono material, uma vez que essa possibilidade não está expressamente prevista no artigo 1.814 do Código Civil. No entanto, o magistrado afirmou que não poderia aplicar a lei de forma a sustentar uma situação injusta.
Ele defendeu que, quando a aplicação literal da lei não resulta em justiça, é função do juiz “afastar a lei e fazer justiça”, ressaltando que “juiz não é boca da lei”. O magistrado citou ainda um precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que admite a exclusão de herdeiro por abandono afetivo e material.
Com essa decisão, o juiz impediu que o pai ausente recebesse parte da herança da filha, reforçando a importância do dever de cuidado e da presença afetiva na relação entre pais e filhos.