Com o objetivo de evitar que produtores rurais recorram à recuperação judicial, o governo está desenvolvendo o Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro). Denominado “Fiagro Reorg”, o novo instrumento tem como foco a reorganização das dívidas dos produtores de forma amigável e eficiente. A medida está prevista para ser anunciada em outubro, segundo Jonatas Pulquerio, diretor de gestão de riscos do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), em entrevista exclusiva à revista Exame.
Pulquerio destacou que o número de pedidos de recuperação judicial no agronegócio tem aumentado significativamente, sendo o Fiagro Reorg uma solução para prevenir que os produtores cheguem a esse ponto. Segundo dados da Serasa Experian, no primeiro trimestre deste ano, foram registrados 106 pedidos de recuperação judicial, um aumento de 523% em 12 meses.
Estruturação do Fiagro Reorg
A implementação do fundo conta com a participação de diversas entidades. O escritório VBSO Advogados será o responsável pela consultoria jurídica do fundo, assegurando a conformidade com a legislação vigente. A administração dos recursos e a supervisão das operações ficarão a cargo da Opea Gestora de Recursos, que também conduzirá as estratégias para maximizar os retornos dos investimentos e reportar os resultados aos investidores.
Para o monitoramento da produtividade das propriedades rurais e análise das condições climáticas, a TerraMagna utilizará tecnologias como imagens de satélite, fornecendo informações essenciais para avaliar a viabilidade do fundo. Já a R. R. Life Capital & Agribusiness atuará como a originadora responsável pela reestruturação das dívidas, identificando e selecionando as empresas do setor que se beneficiarão do Fiagro Reorg.
Ainda estão em discussão os nomes das empresas que desempenharão os papéis de administrador, custodiante, avaliador de imóveis e agente de cobrança extrajudicial.
Projeto piloto e funcionamento do Fiagro Reorg
De acordo com Roberto Rodrigues, CEO da R. R. Life, o projeto piloto do Fiagro Reorg terá a participação de seis grandes grupos do setor agropecuário, cuja dívida totaliza cerca de R$ 1,6 bilhão. Os grupos abrangem áreas diversificadas, como grãos, pecuária, produção de sementes e distribuição de insumos agrícolas.
No modelo do Fiagro Reorg, os principais credores serão convidados pelo produtor rural a aderir ao plano de reestruturação. Uma vez assinado o acordo, as garantias serão formalizadas em cartório, e os imóveis serão transferidos para o fundo. Embora os imóveis passem a ser propriedade do fundo, os produtores continuarão com a posse das fazendas, pagando pelo arrendamento.
Os produtores endividados possuem como ativos suas propriedades rurais, frequentemente vinculadas a dívidas com condições desfavoráveis, incluindo juros elevados e excesso de garantias. O fundo imobiliário será composto pelos cotistas, incluindo tanto os produtores rurais quanto os credores, como fornecedores e instituições financeiras, promovendo um novo modelo de parceria no setor.
Após um período de carência de dois anos, os credores terão a possibilidade de vender até 70% de suas cotas no mercado secundário, período esse projetado para que os produtores se estabilizem e demonstrem sua capacidade de gerar receita. Durante esse tempo, os produtores serão responsáveis apenas pelo pagamento de juros fixados em 1% ao mês.
Concluído o período de carência, o produtor começará a quitar as cotas dos investidores, com os valores definidos de acordo com a receita gerada. Ao final do prazo estabelecido pelo Fiagro Reorg, o produtor terá utilizado o fundo para realizar os pagamentos, mantendo um instrumento financeiro exclusivo à sua disposição.
Fases do Fiagro Reorg
O funcionamento do Fiagro Reorg é dividido em três fases:
- Coleta de Dados e Avaliação das Propriedades: A primeira fase envolve a coleta detalhada de dados da produção agrícola dos últimos três anos, utilizando imagens de satélite para monitorar o clima, as culturas e a produtividade das propriedades. Cada propriedade é avaliada em termos de valor de mercado, identificando os credores e as garantias oferecidas. Reuniões individuais e coletivas com os credores são realizadas para explicar e alinhar a proposta.
- Formalização do Acordo: Com a aprovação da maioria dos credores, é elaborado um acordo detalhando a transferência das propriedades para o Fiagro, com a possibilidade de arrendamento dos imóveis. Os credores poderão prorrogar seus créditos ou aceitar a quitação em forma de cotas do fundo. O regulamento do Fiagro é registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), assegurando transparência e legalidade ao processo.
- Recuperação e Vendas no Mercado Secundário: Após dois anos, os credores poderão vender até 70% de suas cotas no mercado secundário. O regulamento do Fiagro garante a liberdade de cada credor decidir quando e como vender suas cotas, respeitando as condições estabelecidas. O objetivo é garantir que os credores recebam o valor devido, independentemente das condições de mercado.
Colaboração e regulamentação
O desenvolvimento do Fiagro Reorg conta com a colaboração da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Central (BC). Segundo Roberto Rodrigues, a etapa final para a validação do processo é a emissão de uma resolução normativa pelo BC, permitindo que o produtor ofereça suas próprias cotas de participação como garantia na operação.