Sergio Tamer
Se as políticas públicas são precárias ou inexistentes para garantir direitos fundamentais sociais, como temos constatado nos últimos anos no Brasil, não podemos atribuir a culpa à Constituição. Ela fez a sua parte. A doutrina e a jurisprudência também. Mas na hora de dar efetividade à norma constitucional, de natureza social, o Poder Executivo se complica. O que se passa com o Brasil, uma economia pujante e moderna, mas atrasado socialmente?
Há, de fato, uma enorme dificuldade para fazer chegar os direitos sociais ao conjunto da sociedade por parte de municípios, estados e União, e este é um tema constitucional de extrema importância, pois está vinculado à efetivação dessas normas fundamentais, sobretudo em um país como o nosso que guarda diferenças regionais e de desenvolvimento bastante acentuadas.
Considerada uma norma principiológica, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais – que na Constituição brasileira aparece logo no art. 3º, III, como um dos objetivos fundamentais da República – vem sendo uma das maiores prioridades na construção de sociedades mais justas. Assim, a premissa básica nos estados sociais e democráticos de direito reside em não haver liberdade efetiva onde não haja direitos sociais básicos. Contudo, neste mês de outubro, estamos celebrando os 36 anos de uma Constituição democrática que nos trouxe muitas promessas sociais e, com elas, frustrações de igual monta. Em nosso país, a cultura política de natureza oligárquica e patrimonialista freia o desenvolvimento econômico e impede a modernização social, vale dizer, o acesso aos bens econômicos, culturais e sociais. O ativismo judicial, neste contexto, se justifica sem maiores divergências. A garantia judicial de direitos sociais guarda, dessa maneira, uma clara compreensão da função do Poder Judiciário no âmbito do Estado Social e Democrático de Direito, como propõe a Constituição brasileira que é, ela própria, uma síntese liberal-social. Sob essa ótica, alinho-me a tese de que as pessoas possuem direitos subjetivos às prestações estatais e às consequentes políticas públicas para fazê-los efetivos. E como corolário desse posicionamento, entendo que o Poder Judicial tem legitimidade e competência para garantir o desfrute dos direitos sociais, mediante o asseguramento das políticas sociais do Estado, sem que isso implique em usurpação de competência dos demais poderes.
Assim, quando uma Constituição como a brasileira de 1988 incorpora uma série de direitos sociais e adota uma cláusula explícita de autoaplicabilidade, como a do parágrafo 1º do art. 5º, a garantia efetiva dos direitos sociais passa a ser um dever político compartido por todas as esferas do poder do Estado, o que afasta a suposta ilegitimidade do Poder Judiciário ao assegurar, neste âmbito, as chamadas prestações positivas de responsabilidade do Executivo. Todavia, no Brasil, em que pese as garantias legislativas e judiciais para tornar efetivo esses direitos, a estrutura cultural e política do Estado oferece um obstáculo suplementar a esse propósito. São eles: 1) a burocratização; 2) a corrupção; 3) as políticas públicas ineficientes ou inexistentes; 4) os direitos sociais tomados como “assistencialismo social” em detrimento de seu caráter universal. Ou seja, uma clara e generalizada ineficiência de gestão…
Por fim, não culpemos a Constituição de 1988 pelas transgressões e desvirtuamos a que ela tem se submetido, ora por práticas abusivas do Executivo ora por excesso de invocações principiológicas e de teorias estapafúrdias adotadas em profusão por eminentes membros do Judiciário – a mitigar o caráter soberano de suas normas que se reescrevem em cada julgado.
E se é verdade que a Constituição democrática é a “união do povo com o Estado” deixemos que esse casamento seja duradouro, ainda que em meio às suas relações conflituosas, evitando, assim, tantas infidelidades constitucionais