Originalmente criadas para financiar grandes projetos de infraestrutura e obras estruturantes nos Estados, as emendas de bancadas estaduais ao Orçamento foram progressivamente desvirtuadas e passaram a ser um meio para deputados e senadores alocarem verbas para aliados. Desde que o pagamento dessas emendas se tornou obrigatório, em 2019, o direcionamento de verbas tem favorecido interesses políticos locais. Um estudo da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conorf) da Câmara aponta que, em 2023, menos de R$ 1 em cada R$ 10 desse mecanismo foi destinado a grandes obras estruturantes.
De acordo com a análise, apenas R$ 692 milhões foram direcionados para obras estruturantes, enquanto R$ 2,9 bilhões financiaram investimentos fragmentados e R$ 4 bilhões cobriram despesas de custeio — rubrica que frequentemente favorece acordos políticos. Essa prática é potencializada pela falta de transparência, já que as emendas são publicadas em nome das bancadas estaduais, ocultando o responsável direto pela indicação dos recursos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu paralisar a execução dessas emendas devido à falta de transparência e ao uso político das verbas, apontando a necessidade de novos procedimentos. A decisão do ministro Flávio Dino responde também a sucessivas operações policiais que investigam desvios de recursos públicos e corrupção envolvendo essas emendas.
Evolução das emendas e tentativa de regulamentação
O modelo das emendas parlamentares ao Orçamento existe há 30 anos, com três modalidades: individuais, de comissão e de bancada estadual. As emendas de bancada estadual foram, historicamente, voltadas para obras regionais de grande impacto, com destaque entre 1996 e 2000. Segundo os consultores da Conorf, Eugênio Greggianin e outros autores do estudo solicitado pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP), essas emendas eram amplamente debatidas, contando com a participação ativa de governadores e secretários no Congresso.
Nos anos 2000, no entanto, as emendas passaram a ser utilizadas de forma mais genérica, fragmentando os recursos entre parlamentares e favorecendo o uso político das verbas. Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei complementar para atender à decisão do STF, buscando mais transparência. Contudo, o texto ainda permite a divisão das emendas em até dez ações menores, mantendo brechas para a chamada “rachadinha” — o rateio das verbas entre os parlamentares.
Persistência da falta de transparência e dificuldades na fiscalização
O projeto de lei aprovado pela Câmara define várias áreas como prioritárias, como turismo e direitos humanos, e permite que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) amplie o escopo dessas áreas anualmente. Segundo Hélio Tollini, especialista em orçamento público, essa falta de especificidade sobre o que constitui uma obra estruturante pode minar o objetivo do projeto. “Se fosse sério, o conceito de ‘estruturante’ estaria detalhado; mas jogaram tudo para a LDO, que muda anualmente,” critica Tollini.
Além disso, a nova lei permite que cada emenda seja dividida em até dez ações menores, o que dificulta a fiscalização. Segundo Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, essa flexibilidade permite, por exemplo, que um Estado compre tratores e os distribua para vários municípios. “Isso dificulta o rastreamento dos reais beneficiários, pois os equipamentos podem ser doados sem clareza sobre quem realmente destinou os recursos,” explica.
A Codevasf, empresa estatal frequentemente responsável pela execução de emendas diretas, também tem sido citada pela dificuldade em rastrear a alocação precisa dos recursos, devido à fragmentação das informações entre diferentes fontes de dados.
O relator do projeto, deputado Elmar Nascimento (União-BA), foi procurado pelo Valor para comentar as críticas ao texto, mas não respondeu até o fechamento desta edição. A Codevasf também preferiu não se manifestar sobre o assunto.