A decisão do Superior Tribunal de Justiça de considerar lícita a autorização para produção de maconha medicinal no Brasil é considerada histórica. O real avanço no tema, entretanto, dependerá de compromisso regulatório por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e da União.
O alerta é feito por especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Para eles, é importante que a omissão regulamentar seja sanada de forma ágil e inclusiva, dentro do prazo de seis meses estipulado pela 1ª Seção do STJ.
Neste período, a Anvisa terá de agilizar consultas públicas e análises de segurança e viabilidade econômica, além de concluir estudos e alcançar um consenso que nunca existiu — motivo que levou o STJ a reconhecer a omissão regulatória quanto à cannabis.
O fato de que o tema já é discutido em âmbitos administrativos e regulatórios foi o que animou a 1ª Seção a confiar que a regulação é possível, mesmo que em um curto prazo.
O advogado Rodrigo Mesquita, que representa a Ordem dos Advogados do Brasil no Conselho Nacional de Políticas de Drogas (Conad), e é relator do grupo de trabalho de regulamentação da cannabis, destaca que o órgão já tem uma proposta na mesa.
Para ele, causa preocupação a restrição à composição da planta feita pelo STJ, com menção apenas às variedades com teor de THC (Tetrahidrocanabinol) inferior a 0,3%. O THC é uma das substâncias psicotrópicas da planta que causaria dependência aos usuários, o que faz a planta ser enquadrada na Lei de Drogas (Lei 11.343 de 2006).
“A Lei de Drogas não criou essa distinção de níveis de THC e CBD (canabidiol, substância apontada como a principal para o desenvolvimento de medicamentos com base na planta), ambas substâncias cuja utilidade medicinal a Anvisa reconhece, então permanece a expectativa de que a regulamentação futura venha a superar mais esse entrave.”
Espelho internacional
Segundo o advogado e árbitro Roberto Tadao Magami Junior, o Brasil deve tomar por base a experiência internacional com o tema para orientar essa regulação.
No Uruguai, por exemplo, diz o especialista, o viés burocrático levou a um esfriamento do mercado, com relatos de quebra de empresas. Nos Estados Unidos, por outro lado, a regulação mais flexível deu efetiva proteção aos usuários do CBD e garantiu melhores práticas farmacêuticas.
“Se o viés for extremamente burocrático, de nada adiantará essa regulação. Teremos um efeito contrário, uma asfixia regulatória, e novamente o Poder Judiciário será instado a se manifestar”, diz o advogado.
Ele elogiou a postura do STJ de prezar pelo diálogo institucional e manter certa deferência regulatória. E sugere que a Anvisa siga as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com adoção de Análise de Impacto Regulatório (AIR).
“O prazo de seis meses é compatível com o processo decisório previsto na Lei das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019). Agora, será necessário o compromisso político de que a regulação será baseada em evidências para que possamos avançar.