A Constituição brasileira de 24 de fevereiro de 1891, revista por Rui Barbosa, após a condensação de três projetos, e finalmente outorgada pelo Governo Provisório, com forte influência americana, não encontrou aqui, como é notório, as mesmas condições históricas que serviam de suporte para a ordem constitucional dos EUA. Orlando Soares enfatiza que ali “havia tradição e respeito nacional pela Constituição, no prestígio do Congresso e no poder político da Corte Suprema”, resultante do longo processo de elaboração constitucional, precedido de vários encontros de representantes das diversas colônias. No país de Abraham Lincoln, como historiou José Pereira Lira -, “eram treze colônias rebeladas que se confederavam para a guerra contra a Metrópole; e, depois de grandes esforços, marchavam para a Federação. Aqui, no Brasil, havia uma Nação unitária que precisava dar relativa autonomia às antigas Províncias, agora Estados-membros.”
Contrastando com aquela realidade, recorde-se que na primeira eleição presidencial em solo brasileiro prevaleceu a ameaça das forças armadas de que empossariam “por bem ou por mal” o generalíssimo Deodoro da Fonseca e como vice o marechal Floriano Peixoto. Candidato natural à presidência e amplamente apoiado pela caserna, havia uma atmosfera política a indicar que se Deodoro fosse derrotado pelo colégio eleitoral, a Constituinte corria riscos de ser dissolvida e a República passaria a ser uma ditadura explícita, podendo, inclusive, resultar seriamente numa conflagração civil. Foi nessa ambiência que a Constituição foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891, as eleições realizadas dia 25 e Deodoro da Fonseca eleito presidente constitucional do Brasil e Floriano Peixoto, da oposição, vice-presidente.
Em que pese sua conhecida influência junto a Deodoro, Rui Barbosa precisou agir com muita determinação para que o chefe do governo aceitasse o projeto constitucional. É que havia uma clara dissensão entre os que aspiravam a uma república democrática representativa e os que preferiam uma ditadura sociocrática, do tipo propugnado pelos positivistas. Conta-nos Sertório de Castro que na sessão do gabinete, realizada a 14 de novembro – véspera da instalação da Constituinte – Deodoro pediu aos ministros que fossem feitos alguns retoques no projeto, embora sem positivar quais fossem estes. E acrescentou, com visível irritação, que em vão havia feito esse pedido ao ministro da Fazenda. Formulou, então, uma ameaça mal velada, declarando que no primeiro ano da ditadura tinha sido brando e conciliador, mas desde que se tornasse preciso ser enérgico, saberia sê-lo, guardando embora a necessária calma. Insistiu sempre, sem que nisso aquiescesse Rui Barbosa, em que lhe fosse outorgada pela constituição a faculdade de poder dissolver o Congresso.
Ocorre que logo na primeira sessão ordinária do Congresso, instalado a 15 de junho de 1891, verifica-se o primeiro choque entre os dois poderes. Os oposicionistas haviam aprovado, com o apoio de Floriano, Custódio de Melo, Wandenkolk e outros militares, uma lei de restrição aos poderes governamentais, uma lei de responsabilidades que foi entendida como um autêntico impeachment do legislativo contra o presidente. Deodoro, então, faz publicar o Decreto n. 641 de 3.11.1891 dissolvendo o Congresso e instituindo o “estado de sítio”. O Exército ocupou as casas legislativas, sucedendo-se ordens de prisão e fugas. Deodoro contava com o apoio dos governadores nomeados e que ainda permaneciam nos seus cargos. Eleições foram convocadas, em 21 de novembro, para realizarem-se no ano seguinte, em 1892, nos respectivos Estados. Contudo, Prudente de Morais e Campos Sales lideraram a oposição que se organizava para depor o presidente. As tripulações do Aquidabã, Primeiro de Março e Riachuelo, na manhã do dia 23 de novembro, tendo à frente Custódio de Melo, rebelaram-se, obrigando Deodoro a renunciar. Nesse mesmo dia convocou Floriano Peixoto para assumir o governo, evitando, assim, uma guerra civil, no episódio que ficou conhecido como a revolta da Marinha. O país assistia, no primeiro conflito entre os dois poderes, ao primeiro golpe de Estado ainda nos albores da República.
Para Afonso Arinos, a Constituição, provavelmente pelo seu artificialismo, foi, desde o início, contestada e violada e o Congresso, que raramente exibiu independência ante o Executivo foi, deste último, quase sempre, comparsa passivo. Quanto ao Supremo Tribunal, diz o eminente jurista: “se teve ele juízes que bem compreenderam suas funções, nunca exerceu o papel eminente que desempenha nos Estados Unidos”.
Já se passaram 134 anos desses primeiros episódios que marcaram o tumultuado início da República brasileira e ainda estamos sofrendo muitos solavancos institucionais. O nosso sistema político e partidário precisa se adequar aos novos tempos, onde tenha lugar uma reforma substancial na estrutura dos poderes.