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A Politização do Judiciário

Os juízes, julgando questões políticas, evidentemente tiveram que adotar posições políticas.”

Fonte: Por Sergio Tamer, presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública - CECGP

Por Sergio Tamer

Em entrevista à Revista Veja que já circula nas redes sociais, o ex-presidente José Sarney foi taxativo ao constatar que há um excesso de judicialização da política e de politização da Justiça, e que os partidos têm muita culpa nesse processo, porque começaram a fazer com que decisões, que deveriam ser da classe política, fossemsubmetidas à Justiça. Os juízes, julgando questões políticas, evidentemente tiveram que adotar posições políticas. 

Vimos observando, na cena partidária brasileira, que partidos com baixa representatividade no parlamento, quando contrariados em suas posições, levam ao conhecimento do STF questões eminentemente políticas. Bem a propósito, temos o exemplo recente do caso Ramagem. O PDT, a Rede e o PSOL, geralmentearticulados com setores dos demais poderes, acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a decisão da Câmara dos Deputados de determinar a suspensão da Ação Penal (AP) 2668 em relação ao deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). Foram duas ações sobre o tema: a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1225, apresentada por PDT e Rede, e a ADPF 1226, movida pelo Psol.

Muitos debates acadêmicos e doutrinários que já ocorreram até aqui, tratando sobre essa temática, nos dão bem a dimensão do imbróglio jurídico-constitucional que se formou e que está a desafiar, sobretudo, a argúcia de juízes e advogados. Não estamos falando – é bom que se ressalve – de omissões legislativas, nem tampouco de normas programáticas que exigem o esforço criativo e constitutivo das decisões judiciais na direção das garantias e dos direitos fundamentais, sobretudo no campo dos direitos sociais, mas sim de decisões que fazem o caminho inverso, afrontando princípios constitucionais garantistas e que nem o “judicial ativism” ousaria tanto!

Os exemplos são muitos e se repetem com frequência preocupante. Sob a égide da primeira Constituição republicana, Rui Barbosa dizia que “a Justiça não pode conhecer de casos que forem exclusiva e absolutamente políticos, mas a autoridade competente para definir quais os casos políticos e os não políticos é justamente essa Justiça suprema”. O constitucionalismo evoluiu e hoje todos os atos jurídico-políticos sujeitam-se à Constituição e, por consequência, ao exame do Poder Judiciário, o qual tem o poder-dever de velar pela constitucionalidade. Dessa forma, tem-se como premissa que nenhum ato do Poder Público deixará de ser examinado pela Justiça, quando arguido de inconstitucional ou de lesivo a direito subjetivo de alguém. A questão, porém, ilustrada acima e que se critica nessa nova postura do STF está no seu ativismo “às avessas”, isto é, em uma interpretação enviesada da Constituição, quando o STF adentra no conteúdo do ato e valora seus motivos, sob o vago argumento de “interesse público” …

Ao STF compete examinar a legitimidade do ato no seu assento constitucional ou legal, ou seja, quando contraria princípios fundamentais e preceitos constitucionais, de forma patente e inequívoca. Não é o que vem ocorrendo a exemplo das bombásticas, midiáticas e discutidas decisões recentemente tomadas. Isso vale, também, para os demais tribunais de cúpula que seguem parâmetros semelhantes. Os poderes estão em crise e a contenção entre eles tem sido feita na base da “desobediência heroica”. Mas os ministros do STF não podem continuar a agir e decidir pelo “clamor das ruas” ou pela maciça campanha midiática contra ou a favor de determinado tema. Convicções pessoais não podem emprestar ao texto constitucional o alcance que ele não tem, pois a supremacia constitucional é que deverá prevalecer!

A raiz dos males de nosso sistema democrático está fincada exatamente em nosso viciado sistema eleitoral, com destaque para os ilícitos que ocorrem antes, durante e depois das eleições, e com as peculiaridades inerentes a cada uma dessas três fases.

 Estamos falando do que todos sabem no Brasil: as eleições são excessivamente caras e são elas promotoras das mais diversas práticas ilícitas. Os escândalos que se sucedem nos órgãos públicos nos dão uma ideia de sua dimensão. Tudo está impregnado por uma desafiadora rede de corrupção que se infiltra e atua em todos os partidos de forma “natural” e, costuma-se dizer, “institucionalizada”. Até mesmo a existência de um estranho “presidencialismo de coalização” – uma espécie de aleijão da nossa democracia partidária, nada mais é do que a distribuição de cargos e órgãos públicos – “de porteira fechada” – para os aliados de ocasião em troca de votos dessas legendas no Congresso. Não há qualquer afinidade ideológica ou programática nessa composição, mas tão somente o objetivo de possibilitar o ressarcimento de despesas feitas na campanha e, ao mesmo tempo, arregimentar recursos para o próximo pleito. Os acordos são feitos abertamente e os líderes contabilizam, em reunião com a imprensa, os votos obtidos com esse loteamento de cargos e ministérios. Esse sistema funcionava dessa maneira ontem, continua funcionando hoje e não dá mostras de que cessará a sua marcha amanhã, pelo menos enquanto as reformas político-partidárias não chegarem, talvez com um novo texto constitucional.

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