O Censo Demográfico de 2022, divulgado nesta sexta-feira (6) pelo IBGE, confirma que os evangélicos continuam em expansão no Brasil, mas em um ritmo menor do que o projetado ao longo da última década. Segundo os dados, pessoas que se declaram evangélicas representam hoje 26,9% da população com 10 anos ou mais, o equivalente a 47,4 milhões de brasileiros. Embora a proporção ainda cresça, o avanço foi de 5,2 pontos percentuais desde o último levantamento, realizado em 2010, quando esse grupo representava 21,6% da população. No intervalo entre 2000 e 2010, o aumento havia sido mais expressivo, de 6,5 pontos percentuais.
Apesar de mais tímido, o crescimento confirma a consolidação dos evangélicos como o segundo maior grupo religioso do país, atrás apenas dos católicos, que ainda representam 56,7% da população com 10 anos ou mais — cerca de 100,2 milhões de pessoas. No entanto, o catolicismo segue em trajetória de queda. Em 2010, representava 65,1% da população e, nos anos 1980, era professado por cerca de 90% dos brasileiros. No primeiro Censo realizado no país, em 1872, os católicos representavam 99,7%, embora esse número deva ser interpretado com cautela devido à imposição do catolicismo como religião oficial do Império, especialmente sobre indígenas e escravizados.
Hoje, os evangélicos são maioria em 58 municípios brasileiros. A Região Norte concentra a maior proporção relativa de fiéis desse segmento, com destaque para o estado do Acre, onde 44,4% da população se identifica com essa religião. Por outro lado, o Nordeste é a região menos evangélica, com o Piauí apresentando a menor taxa, de 15,6%.
A distribuição religiosa no país também varia por faixa etária. Entre os jovens de 10 a 14 anos, 31,6% se declaram evangélicos, enquanto 52% são católicos. Já na faixa acima dos 80 anos, o predomínio católico é maior, com 72% contra 19% de evangélicos. O perfil racial também apresenta diferenças: entre os indígenas, 32,2% são evangélicos, seguidos por pretos (30%) e pardos (29,3%). Os brancos continuam majoritariamente católicos, com 60,2%.
O avanço evangélico é confirmado por histórias pessoais, como a de Pedro Augusto Bilar, de 21 anos, que se aproximou da fé durante uma internação grave na adolescência e hoje é membro da igreja Renascer em Cristo. Ou a de Beatriz Wicher, também de 21 anos, que cresceu em um lar católico, mas encontrou na leitura da Bíblia e nos louvores evangélicos uma nova forma de espiritualidade. Ambos relatam mudanças significativas em suas vidas após a conversão, refletindo uma tendência nacional de reconfiguração religiosa a partir de experiências pessoais.
Segundo o antropólogo Rodrigo Toniol, da UFRJ, o evangelicalismo segue como a força religiosa mais expansiva do país, mesmo com um ritmo de crescimento mais moderado. Ele afirma que, estatisticamente, esse comportamento é natural, já que os grupos tendem a desacelerar após longos períodos de expansão acelerada. Em contrapartida, o catolicismo, embora ainda dominante, tem enfrentado um declínio constante: em 80 anos, perdeu quase 40 pontos percentuais de representatividade.
Para a cientista política Ana Carolina Evangelista, diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião (Iser), é importante destacar que o Brasil continua sendo majoritariamente católico, especialmente em algumas regiões. Ao mesmo tempo, ela aponta que há sinais de desgaste dentro do próprio campo evangélico, principalmente entre mulheres e jovens que não se reconhecem mais nas lideranças religiosas, nas pautas públicas defendidas ou na politização excessiva de certos segmentos.
Ela observa que o cenário religioso do país é mais dinâmico do que sugere a simples comparação entre católicos e evangélicos. Entre os fatores a considerar estão o crescimento da população sem religião, o fortalecimento de religiões de matriz africana e uma redução de mais de 10 pontos percentuais no total de cristãos no Brasil ao longo dos últimos 40 anos.
O grupo que se declara sem religião, por exemplo, cresceu de 7,9% para 9,3% entre 2010 e 2022. Esse grupo é formado por ateus, agnósticos, espiritualistas e pessoas que não se identificam com nenhuma instituição religiosa. Já as crenças afro-brasileiras, embora ainda representem apenas 1% da população, triplicaram de tamanho em relação ao Censo anterior, com maior concentração nas regiões Sul e Sudeste.
Os dados revelam uma mudança profunda no perfil religioso da sociedade brasileira, marcada pela perda de hegemonia do catolicismo, pela consolidação evangélica e pela emergência de uma diversidade de crenças, inclusive entre aqueles que não se vinculam a nenhuma religião formal. A religiosidade do país, embora majoritariamente cristã, se fragmenta em identidades múltiplas, ritmos distintos de crescimento e novas formas de vivenciar a fé.