O desembargador Amílcar Robert Bezerra Guimarães, do Tribunal de Justiça do Pará (TJ/PA), gerou forte repercussão após declarações feitas durante o julgamento de um processo que discutia o valor da pensão alimentícia devida por um tenente-coronel ao filho diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O magistrado questionou a fixação da pensão em 25% dos rendimentos do pai e fez afirmações que foram amplamente criticadas por entidades da sociedade civil.
Durante a sessão, registrada em vídeo que circula nas redes sociais, o desembargador afirmou que, em situações como a debatida, a criança “deixa de ser filho e passa a se tornar um transtorno, inviabilizando a vida do pai”. Em outro momento, sugeriu haver uma “epidemia de diagnósticos” de autismo, insinuando que o aumento de casos estaria relacionado ao interesse financeiro de médicos e clínicas especializadas. “Virou uma mina de enriquecimento para um determinado grupo de médicos, clínicas e etc”, disse. Ele ainda sugeriu que a mãe poderia estar sendo manipulada por esse sistema, afirmando que “não há melhora e eles nunca vão dizer que está curado”, se referindo ao autismo como uma “vaca leiteira”.
Em tom irônico, Guimarães ainda fez referência à condição financeira da mãe da criança, dizendo que talvez ela não tivesse esse tipo de problema se tivesse se casado com alguém rico. “Talvez se a moça tivesse se casado com Antônio Ermírio de Moraes, não teria tido esse tipo de problema”, declarou.
As falas do magistrado provocaram reações imediatas. A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB/PA) emitiu nota de repúdio afirmando que avaliará as medidas jurídicas cabíveis contra as declarações. A instituição considerou inaceitáveis as insinuações sobre suposto enriquecimento indevido de profissionais da saúde e destacou que esse tipo de discurso reforça preconceitos e estigmas, além de atentar contra os direitos de crianças, mulheres e pessoas com deficiência.
A nota também frisou que o cuidado com os filhos é uma obrigação compartilhada entre pai e mãe, e que o Judiciário tem o dever de evitar a reprodução de estereótipos discriminatórios. Para a OAB, não se pode naturalizar a desresponsabilização paterna nem criminalizar a dedicação materna no cuidado integral às crianças.
O Conselho Regional de Medicina do Pará (CRM/PA) também se posicionou, classificando as falas do desembargador como inadmissíveis. O órgão destacou que, caso haja indícios de irregularidades na conduta de profissionais da saúde, cabe ao próprio Conselho apurar com o devido rigor, mas repudiou a generalização feita por Guimarães. “É inaceitável a banalização com que o referido desembargador tratou um tema tão sensível, além dos termos jocosos usados ao se referir à classe médica”, disse o CRM em nota. A entidade alertou que esse tipo de generalização compromete a imagem de toda a categoria.
Até o momento, o Tribunal de Justiça do Pará não se pronunciou oficialmente sobre o caso. As declarações do desembargador ocorrem em um contexto de crescente debate sobre os direitos das pessoas com deficiência e o papel do Judiciário na garantia da equidade e da não discriminação. Organizações da sociedade civil e especialistas em saúde mental reforçam que o autismo não é curável, mas que intervenções adequadas são fundamentais para a qualidade de vida e desenvolvimento de quem está no espectro.