
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (18), o chamado Projeto Antifacção, proposta voltada ao endurecimento do combate ao crime organizado no país. O texto passou com ampla maioria: 370 votos a favor e 110 contrários, após uma tramitação marcada por conflitos entre governo e oposição.
O projeto foi enviado ao Congresso pelo governo federal em outubro, como uma das principais apostas da área de segurança pública. Caberá agora ao Senado analisar a proposta.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), escolheu como relator o deputado Guilherme Derrite (Progressistas-SP), ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo no governo Tarcísio de Freitas. A escolha gerou desconforto no Planalto, que criticou o fato de um texto de autoria do governo ser relatado por um aliado de um governador de oposição.
O que o Projeto Antifacção muda na prática?
De forma geral, o texto aprovado endurece penas, cria novos tipos de crime e amplia os instrumentos de investigação e punição voltados especificamente a organizações criminosas, milícias privadas e grupos paramilitares que atuem com violência ou grave ameaça.
Entre os principais pontos:
Penas mais altas:
Criação de penas de 20 a 40 anos de prisão para crimes cometidos por organizações classificadas como “ultraviolentas” – grupos que usam violência extrema, armas pesadas, explosivos ou drones, e buscam domínio territorial ou controle de atividades econômicas.
Em casos de liderança ou financiamento da organização, as penas podem ultrapassar 40 anos, chegando a patamares próximos a 60 anos, a depender do concurso de crimes.
Novos tipos penais:
O projeto define condutas específicas associadas ao chamado “novo cangaço” (ataques a bancos e instituições financeiras com explosivos e armamento pesado), domínio territorial por facções e ataques com drones e armas de guerra. Essas ações passam a ter enquadramento próprio na lei penal.
Progressão de regime mais rígida:
A proposta dificulta a progressão de regime para integrantes de organizações criminosas. Em determinados casos, será necessário cumprir entre 70% e 85% da pena antes de pedir mudança de regime, porcentual bem acima do que se aplica hoje na maioria dos crimes.
Presídios federais para líderes de facções:
O texto prevê que lideranças e núcleos de comando de organizações criminosas cumpram pena obrigatoriamente em presídios federais de segurança máxima. A ideia é isolar chefes de facção, reduzir a comunicação com o lado de fora e diminuir o controle que exercem a partir dos presídios estaduais.
Investigação e confisco de bens:
O projeto amplia mecanismos de bloqueio e confisco de bens, contas bancárias e criptoativos ligados ao crime organizado, permitindo apreensão antecipada ainda na fase de inquérito em determinadas situações. Também autoriza intervenção judicial em empresas usadas para lavagem de dinheiro ou como fachada de facções.
Monitoramento em presídios:
Em hipóteses excepcionais, passa a ser possível o monitoramento audiovisual de parlatórios, inclusive em conversas com advogados, desde que haja decisão judicial fundamentada. A medida é apresentada como forma de impedir que a estrutura prisional seja usada para comandar ações criminosas.
O texto não mexe na Lei Antiterrorismo e não altera as atribuições da Polícia Federal, pontos que chegaram a constar em versões anteriores do relatório, mas foram retirados após forte resistência de juristas, da própria PF e de setores do governo.
Polêmica política e disputa por recursos
A tramitação do Projeto Antifacção foi marcada por embates. De um lado, o governo reclamou que partes importantes da proposta original foram modificadas pelo relator. De outro, a oposição pressionou por um texto ainda mais duro.
Um dos pontos mais sensíveis foi a tentativa inicial de equiparar facções criminosas a grupos terroristas, o que, segundo o Palácio do Planalto, poderia abrir brechas para interferência externa e criar insegurança jurídica. A equiparação acabou retirada do relatório, e uma nova tentativa da oposição de recolocar o tema em plenário, por meio de destaque, foi barrada pelo presidente da Câmara.
Outra divergência está na divisão dos bens confiscados do crime organizado. O governo defendia uma participação maior da União e da Polícia Federal na destinação dos recursos, enquanto o texto aprovado manteve um modelo que, na visão de líderes governistas, “descapitaliza” fundos federais importantes, como o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), ao favorecer fundos estaduais de segurança pública.
Mesmo assim, a proposta avançou com amplo apoio no plenário, com a avaliação de que o país precisava de uma legislação mais específica e severa para responder à atuação de facções, milícias e organizações criminosas de alta periculosidade. Agora, caberá ao Senado revisar o conteúdo e decidir se faz novos ajustes ou mantém o texto tal como saiu da Câmara.