O Grupo Mateus volta ao centro das discussões sobre governança corporativa após a companhia comunicar uma revisão relevante em seus números de estoque, fato que reacendeu questionamentos antigos sobre controles internos e processos contábeis. A companhia reconheceu que havia superestimado em R$ 1,1 bilhão o valor de seus estoques no balanço de 2024, erro que afetou diretamente o patrimônio líquido e ampliou o desconforto entre analistas e investidores. O ajuste reduziu o estoque registrado anteriormente de R$ 6 bilhões para R$ 4,9 bilhões, diminuindo o patrimônio líquido em aproximadamente R$ 695 milhões, movimento que se somou a um ambiente já sensível para o varejo.
A revisão trouxe novamente à tona alertas emitidos anos antes por auditorias independentes. Em 2021, no formulário de referência enviado à Comissão de Valores Mobiliários, a Grant Thornton havia apontado 42 deficiências moderadas no grupo, destacando o acompanhamento inadequado do custo histórico de estoque como uma das principais fragilidades. Naquele momento, a recomendação era a implantação de sistemas que permitissem rastrear volumes e custos com maior precisão. A partir de 2022, porém, essas deficiências deixaram de aparecer nos documentos públicos, substituídas por menções gerais a estudos e procedimentos de auditoria, sem detalhamento sobre pontos críticos.
A mudança de auditoria, obrigatória pelas regras de rotatividade, colocou a Forvis Mazars no centro da análise contábil da empresa em 2025. A nova auditoria, que não integra o grupo das grandes firmas reconhecidas no mercado global, assumiu a avaliação no momento em que a companhia revisava seus processos de inventário e ajustava saldos. Os pareceres dos resultados trimestrais divulgados este ano não trouxeram ressalvas sobre o tema, ainda que a empresa já conduzia correções internas.
O episódio ganhou repercussão após o mercado reagir à forma como as informações foram divulgadas. Os impactos e o contexto dos ajustes constaram apenas na nota explicativa do balanço do terceiro trimestre, classificados como reapresentação de saldos comparativos. A falta de clareza sobre a origem dos erros e sobre a possibilidade de novos ajustes fez com que investidores buscassem explicações adicionais. Durante a teleconferência com analistas, diretores do grupo afirmaram que parte do ajuste correspondia a anos anteriores, sem detalhamento do período exato, reforçando dúvidas sobre a profundidade do problema.
Os esclarecimentos também dividiram a discussão entre temas contábeis e operacionais. Parte da correção se refere à valorização do estoque, enquanto outro conjunto de problemas envolve perdas e desvios identificados no processo de inventário das lojas, incluindo casos de mercadorias altas sendo registradas com códigos de itens mais baratos no caixa e desvios na etapa de descarregamento. A administração acrescentou que, com a expansão acelerada da rede, parte das unidades chegou a funcionar por longos períodos sem inventário completo, prática que favorece inconsistências de registro.
Relatos de gestores do setor indicam que erros no cálculo de impostos ou no tratamento de bonificações da indústria podem estar entre as causas técnicas que provocaram a revisão do custo médio das mercadorias vendidas, área sensível no varejo. A variação entre regimes tributários estaduais, associada à complexidade operacional de uma rede em expansão, figura como uma das possíveis origens das divergências encontradas.
A teleconferência também revelou o reforço de investimentos para aprimorar rastreabilidade e reduzir perdas, incluindo a adoção do sistema Kardex, tradicional no controle de entradas e saídas. Embora a empresa afirme que não há conexão direta entre os ajustes contábeis e os problemas operacionais apontados, analistas destacam que ambos os processos estão diretamente relacionados à gestão de estoque, um dos pilares da operação varejista.
Desde o anúncio das correções, as ações do Grupo Mateus recuaram aproximadamente 15% em três pregões, o que representa redução de cerca de R$ 2 bilhões no valor de mercado da companhia. Investidores avaliam que, além do impacto contábil, pesa a falta de previsibilidade sobre eventuais ajustes futuros e sobre a abrangência das fragilidades identificadas.
As discussões agora se concentram na capacidade da empresa em demonstrar consistência nas práticas de governança e na evolução dos controles internos. Enquanto as equipes técnicas aprofundam as revisões, o mercado aguarda maior detalhamento sobre os efeitos estruturais da revisão de estoque e sobre possíveis desdobramentos nos próximos resultados.