A cultura possui um extraordinário poder de transformação social: ela conecta pessoas, traduz saberes, desperta sentimentos e mobiliza consciências. Em tempos delicados como o atual, em que o mundo enfrenta os desafios das mudanças climáticas, é essencial reconhecer que práticas como o desmatamento e a desvalorização da biodiversidade também são expressões culturais. Elas revelam valores, hábitos e narrativas que moldam nossa forma de nos relacionarmos com o meio ambiente, evidenciando que a cultura não apenas reflete a sociedade, mas também influencia diretamente sua sustentabilidade. Uma cultura que nos coloca à parte da natureza, e não como parte dela.
Há, contudo, boas notícias que iluminam esse cenário desafiador. A pesquisa “Cultura e Clima: percepções e práticas no Brasil” mostra que 63% dos brasileiros se inspiraram em mensagens apresentadas por bens ou instituições culturais — como livros, filmes ou museus — para modificar hábitos relacionados a questões sociais e ambientais. Além disso, mais da metade das 2.074 pessoas que responderam à pesquisa disseram recorrer com frequência ou com muita frequência a esses espaços e produções culturais em busca de informações sobre o clima. Esses dados revelam que a cultura não é apenas um espelho da realidade, mas também uma força ativa na construção de novas práticas e na promoção de consciência coletiva.
Os números revelados pela pesquisa, lançada na COP30, em Belém, fazem parte do trabalho realizado pela ONG C de Cultura e pela empresa Outra Onda Conteúdo, em parceria técnica com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Feito entre julho e agosto de 2025, o levantamento aponta que a cultura não atua só como espectadora, e sim como protagonista, com imenso potencial para traduzir a complexidade do tema, inspirar mudanças de comportamento e mobilizar a sociedade.
Outras descobertas: 83,5% dos brasileiros acreditam que podem se informar e entender melhor as mudanças climáticas por meio de atividades e bens culturais e 77,5% acreditam que povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais podem ajudar o Brasil a enfrentar as mudanças climáticas.
Isso significa que o público não apenas consome cultura, mas também a vê como aliada na agenda climática, fortalecendo a mobilização pela proteção de territórios e pelo reconhecimento de saberes ancestrais. Além disso, evidencia uma forte demanda por conteúdos que conectem arte, conhecimento e ação.
A visão da população acerca da pauta climática também reverbera em seu voto, de acordo com a pesquisa: 89,4% dos brasileiros julgam importante eleger políticos que priorizem a sustentabilidade e a justiça social. Ao considerar o espectro político dos participantes, 98,8% das pessoas que se identificaram como de esquerda disseram que consideram isso importante, em comparação com 52,1% entre as que se identificaram como de direita.
Ainda sobre a agenda climática no processo eleitoral, foi perguntado aos participantes da pesquisa se eles consideraram as propostas dos candidatos em relação às mudanças climáticas ao definirem seus votos. A maior parte afirmou que levou em conta: isso foi fator decisivo para 43,1% da amostra e fator secundário para 36,1%. Na análise por gênero, as mulheres atribuíram peso significativamente maior à importância de priorizar a sustentabilidade e a justiça social nas eleições. A proporção de mulheres que consideram a pauta importante é de 94,2%, enquanto a adesão dos homens é notavelmente menor (84,4%).
Diante dessas descobertas, é necessária a construção de políticas e programas que posicionem a cultura no centro da ação climática, mobilizando a sociedade, fortalecendo comunidades e pressionando por medidas concretas de mitigação. Enfrentar a crise climática é também um ato de cuidado com nossa memória coletiva, de proteção dos territórios que sustentam a vida e de compromisso com a dignidade e o bem-estar de todas as pessoas.
Que a cultura seja não apenas linguagem, mas caminho; não apenas expressão, mas força transformadora na trilha para uma sociedade mais justa e resiliente.
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(*) Mariana Resegue é jornalista e diretora-executiva da C de Cultura; Eduardo Carvalho é curador de exposições e diretor-fundador da empresa Outra Onda Conteúdo. Ambos são supervisores gerais da pesquisa Cultura e Clima.