Vítima de tortura busca junto às autoridades punição para policiais militares de Anajatuba

“Eles tentaram me asfixiar com uma sacola, quebraram a minha motocicleta e me chamavam de ‘bandido’, enquanto me batiam”, relatou.

Fonte: Luciene Vieira

Três dias depois de ter sido espancado e preso, o motorista Marco Aurélio de Paula Pereira, de 32 anos, buscou junto às autoridades, durante vinda a São Luís, punição contra os policiais militares Amarildo Estrela Paixão Júnior, de 27 anos; Samuel Alves de Sousa, 30; e Leandro Silva Pereira, 35. Os três militares estão sendo investigados pela Polícia Civil por serem suspeitos de torturarem Marco Aurélio, crime ocorrido na última sexta-feira (30), no município de Anajatuba, distante 143 km de São Luís.

Nessa segunda-feira (2), a vítima esteve na Ordem dos Advogados do Maranhão (OAB), seccional Maranhão; no Comando Geral da Polícia Militar, na Corregedoria da Polícia Militar, e pretendia ir à Secretaria de Segurança Pública do Maranhão (SSP-MA).

Na OAB-MA, Marco Aurélio, acompanhado por seu irmão Edvan de Paula, que é policial civil, foi atendido na secretaria das Comissões, encarregada de agendar dia e horário da reunião da vítima com a presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB-MA, Marina Lima.

“A reunião acontecerá ainda nesta semana”, garantiram, na presença da equipe de reportagem do Jornal Pequeno, na secretaria das Comissões, a Marco Aurélio.

Por ligação telefônica, Marina Lima disse ao JP que a Comissão dos Direitos Humanos atua no sentido de cobrar das autoridades a investigação do suposto ato de tortura. “Caso seja comprovado o crime, mediante violação dos direitos humanos, nós da OAB vamos cobrar resolutividade. Com as provas de que Marco Aurélio sofreu tortura, agiremos no sentido de que os suspeitos, no caso Amarildo, Samuel e Leandro, sejam punidos”, destacou Marina Lima.

Após ter ido à OAB, Marco Aurélio procurou o Comando o Geral da Polícia Militar, localizado no bairro do Calhau, onde foi orientado a entrar com denúncia na Corregedoria da Polícia Militar, órgão que atua para corrigir as más ações policiais. Ainda ontem, a vítima informou que procuraria também a SSP-MA.

Na Corregedoria da Polícia Militar, Marco Aurélio protocolou uma carta-requerimento, na qual solicita a adoção de medidas contra o crime de tortura por ele sofrido, e, também, providências a respeito de áudios que circulariam no WhatsApp, produzidos supostamente pelos policiais militares investigados.

Em um áudio, Marco Aurélio é acusado de envolvimento com o tráfico de drogas. Em outro áudio, a vítima é chamada de “ladrão”, “mala” e “traficante”, sendo que não haveria antecedentes criminais contra o motorista, e nenhuma prova das acusações feitas pelos militares.

Além da carta-requerimento, Marco Aurélio entregou na Corregedoria da Polícia Militar os áudios difamatórios, fotos de agressões no corpo da vítima, o boletim de ocorrência (BO) feito pelo motorista na Delegacia de Polícia Civil de Itapecuru-Mirim, o documento de encaminhamento para o exame de corpo delito no Instituto Médico Legal (IML), e um BO de outra vítima de tortura, caso este que ocorreu em junho, e teria sido cometido pelos mesmos três policiais militares.

Após receber o termo de depoimento de Marco Aurélio, a Corregedoria da Polícia Militar deve intimar os policiais para que estes deem suas versões sobre o caso. Depois, juntadas as provas produzidas por ambos os lados, o órgão tomará decisão sobre o ocorrido.

SESSÃO DE TORTURA

A suposta sessão de espancamento contra Marco Aurélio ocorreu na última sexta-feira, 30 de julho por volta das 10h50, no Campinho, um lugar de Anajatuba que fica no fim da Rua do Fio.

O motorista estava em sua motocicleta Honda Bis, de cor vermelha. Ao descer do veículo, e, no exato momento em que iria abrir o bagageiro da motocicleta para tirar uma sacola na qual armazenaria o esterco de gado que juntaria do Campinho, a vítima foi abordada pelos policiais militares Amarildo Estrela, Samuel Alves, e Leandro Silva Pereira.

“Quebraram uma peça da minha Bis, na tentativa de abrir o bagageiro da moto, mas não conseguiram. Eles disseram que iriam pegar a sacola para me asfixiar, caso não conseguissem abrir o bagageiro”, lembrou Marco Aurélio.

O motorista foi jogado ao chão, de bruços na terra com esterco de gado, algemado, e levou chutes e pauladas. A vítima afirmou que sofreu com um golpe físico chamado de “telefone”, pancada simultânea com as duas mãos nos dois ouvidos da vítima, causando excessiva pressão nos tímpanos.

De acordo com o motorista, os policiais quebraram vários pedaços de madeira batendo na sola dos seus pés. “Eu estava algemado, quando o policial militar Leandro Silva Pereira disse para mim que se o tenente Amarildo Estrela não estivesse com eles, Pereira iria me matar. Quando falei que eu tinha um irmão policial civil, riram de mim, disseram que na minha família talvez eu fosse o único ladrão”, declarou Marco Aurélio.

Após ter sido torturada, a vítima foi presa em Anajatuba, ainda na manhã de sexta-feira, ficando na cela da delegacia da cidade das 11h30 às 14h30, quando foi liberada.

“Os policiais militares apreenderam meu telefone celular. Já preso, o agente penitenciário me entregou um celular para que pudesse telefonar para minha esposa, avisando sobre o ocorrido. Foi minha mãe quem levou meu almoço à delegacia”, destacou Marco Aurélio.

Os policiais queriam que Marco Aurélio confessasse seu envolvimento, e a participação de outras três pessoas, com o tráfico de drogas em Anajatuba. A vítima não foi encontrada com entorpecentes, e alegou que não tem envolvimento com o comércio de substâncias alucinógenas ilícitas.

“Os policiais abordaram meu irmão de forma agressiva, espancando-o, enquanto o interrogavam sobre suposto porte de drogas para consumo. Quanto mais dizia não possuir drogas, mais ele apanhava. Insatisfeitos, os policiais passaram a exigir que a vítima dissesse quem eram os vendedores de drogas da região”, destacou o irmão do motorista, o policial civil Edvan de Paula.

FATO NÃO SERIA ISOLADO

De acordo com Marco Aurélio e seu irmão Edvan de Paula, os policiais militares Amarildo, Samuel e Leandro seriam naturais de São Luís, e estariam há pouco tempo no 28º Batalhão da Polícia Militar (28º BPM), sediado em Itapecuru-Mirim, mas com atuação em Anajatuba.

Outra possível vítima de tortura dos policiais militares Amarildo, Samuel e Leandro, um homem de 37 anos, procurou Marco Aurélio e entregou a ele um BO registrado no dia 6 de julho de 2021, na Delegacia de Polícia de Anajatuba.

No BO, a vítima relatou que no dia 30 de junho deste ano, por volta das 23h, foi agredido fisicamente por policiais militares novatos em Anajatuba, e que teriam sido transferidos recentemente para aquela cidade. Ainda no boletim de ocorrência, a vítima contou que não soube o motivo da agressão, que simplesmente foi abordada e agredida.

VÍTIMA É SUBMETIDA A EXAME DE CORPO DELITO

Por volta das 17h, o motorista foi levado pela polícia para a delegacia de Itapecuru-Mirim, a pedido do delegado Renilton Ferreira, que estava no plantão, e queria colher o depoimento da vítima, o que se estendeu até à noite.

Na delegacia de Itapecuru-Mirim, Renilton Ferreira abriu o processo de investigação contra os três militares, em razão do possível crime de tortura. A vítima, inclusive, foi liberada pelo delegado e encaminhada ao Hospital Municipal de Anajatuba, onde fez o exame de corpo delito.

Segundo Marco Aurélio, o resultado do exame deve ficar pronto em dez dias.

OUTRO LADO

Procurado pelo Jornal Pequeno, o comando do 28º BPM informou que os três militares já foram chamados para prestar depoimento sobre a reclamação de uso da força feita pelo motorista. E que os policiais negaram a tortura, justificando que as lesões apresentadas pela suposta vítima teriam sido adquiridas porque, ao ser abordada, ela correu e caiu numa vala. Também disseram que o motorista teria fugido de um local conhecido pela prática de tráfico de drogas.

O comando do 28º BPM repassou que os militares disseram ter sido ameaçados e ofendidos pelo motorista, momento no qual ele recebeu voz de prisão. E que um processo administrativo foi aberto para apurar o ocorrido, dando a chance da ampla defesa.

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