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O delito e a pena: a violência no foco das políticas públicas

Uma sociedade não pode ficar refém do crime e dos criminosos, à espera de uma solução para “as causas sociais” dos delitos

Fonte: Sérgio Tamer

SERGIO TAMER , professor e advogdo, é presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP

 

Uma sociedade não pode ficar refém do crime e dos criminosos, à espera de uma solução para “as causas sociais” dos delitos. A ação repressiva é vital, independentemente do combate às causas da criminalidade, o que implica em investir e fazer atuar, adequadamente, o aparato policial, as varas criminais e os presídios.

Os direitos humanos devem ser assegurados para todos. Para a sociedade devemos garantir, sobretudo, a liberdade do medo, síntese dos direitos e liberdades fundamentais. Para os facínoras, que se desviam das regras sociais e tentam destruir o sistema de liberdades e garantias individuais, com suas ações hediondas, o Estado deve garantir a ação célere, eficiente e repressora da polícia, da justiça criminal e do cárcere. Em primeiro plano, os direitos humanos da sociedade, na garantia plena dos seus direitos de cidadania, o que nos leva a apenar e reprimir, como conseqüência dessas garantias, e nos termos da lei,os delinqüentes.

A sociedade, traumatizada por um crime bárbaro, já não se pergunta se determinada punição “resolve” ou não o problema da criminalidade. O que ela quer é, objetivamente, que haja a aplicação da pena, isto é, a certeza da punição. E, se possível, de uma pena que corresponda, em termos de privação da liberdade, ao máximo rigor em tempo e cumprimento carcerário, dada a gravidade do crime hediondo, seja ele perpetrado por maiores ou menores de 18 anos, como no triste e deplorável crime que cometeu a jovem Vitória, em São Paulo.

A questão que está na pauta, portanto, não é a de saber se a punição penal “resolve” ou “não resolve” os graves conflitos criminais no país, se inibe ou não inibe esse surto infame de criminalidade que preocupa, indigna e avilta a todos, inclusive aquele que é praticado por adolescentes. Mas, num primeiro momento, a sociedade necessita sentir-se justiçada com a aplicação da lei, com uma lei que possa ser proporcional, em seu aspecto punitivo, ao crime praticado. Depois, vamos discutir, num segundo momento, “as causas sociais” da violência e onde, como e porque o Estado está falhando – tanto nas esferas municipal, estadual quanto federal–, especialmente no combate a algumas dessas causas. Isso porque a pena a ser aplicada não visa apenas a inibir a prática de novos crimes mas, também, e sobremaneira, a punir convenientemente a pessoa do transgressor penal, afora o aspecto da ressocialização que, no sistema prisional que temos,não passa de uma mera ficção jurídica. Portanto, a punição pelo crime cometido não pode ficar condicionada ao debate sobre as suas causas, como parece estar ocorrendo entre algumas autoridades que se mostram alienadas das questões que envolvem os gravíssimos problemas de segurança pública ora em curso em praticamente todos os estado do Brasil. Até Beccaria (1738-1794) dedicou um capítulo de seu consagrado trabalho para tratar da proporcionalidade entre crime e castigo. É bem verdade que na sua época as punições tinham conseqüências muito superiores e mais terríveis que os males produzidos pelos delitos e foi este aspecto que o motivou a escrever sua magna obra (Dos Delitos e das Penas). As penas eram excessivas, cruéis e desumanas. Mas Beccaria também advertia, com razão, nessa obra luminar do século 18 que “bastará, contudo, que o legislador sábio estabeleça divisões principais na distribuição das penas proporcionadas aos delitos e que, sobretudo, não aplique os menores castigos aos maiores crimes. Hoje, numa inversão despropositada, as penas são de menos, isto é, bem mais lenientes em face da gravidade e dos horrores dos crimes. Contrariando Beccaria e, sobretudo, a sensatez, estamos aplicando os menores castigos aos maiores crimes, nomeadamente quando há participação de criminosos mais jovens.

Muito embora a taxa média de homicídios no Brasil tenha apresentado uma tendência de queda nos últimos anos, (em 2024 a taxa nacional de homicídios caiu para 18,21 por 100 mil habitantes), ela ainda é considerada alta em comparação com a média global, cujo padrão, aceitável pela ONU, é de até 10 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes.

O governo federal, diante desse quadro, vai adotar uma série de medidas, a exemplo da criação de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), semelhante ao SUS na área da saúde, para integrar as forças policiais e garantir recursos próprios para o setor, proposta que está sendo objeto de uma Emenda à Constituição (PEC da Segurança Pública).E dentre as demais medidas incluem-se: a inclusão das guardas municipais no sistema de segurança, com foco no policiamento comunitário e ostensivo; investimentos no Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci II):; destinação de R$ 1,4 bilhão para ações preventivas, como combate à violência contra mulheres, segurança em áreas vulneráveis e reintegração social de presos; construção de Centros Comunitários pela Vida e fortalecimento de patrulhas especializadas, como as Patrulhas Maria da Penha; ampliação das atribuições das forças policiais, como a Polícia Rodoviária Federal (PRF) que passará a atuar também em ferrovias e hidrovias, além das rodovias.

O que não se pode é ficar dizendo que a punição “não resolve” o problema da segurança e, ao mesmo tempo, nada fazer para resolvê-la, que é combatendo as suas causas. Como disse certa vez Roberto Campos, ninguém se lembrou de fazer uma pastoral das vítimas, infelizmente muito mais numerosas do que os próprios malfeitores.

Agora, quanto ao combate às causas da violência, sobretudo urbanas, é evidente que os prefeitos das capitais e das grandes cidades teriam que participar desse esforço coletivo, ter um papel institucional mais ativo e bem delineado pela legislação, dentro da complexa e extensa rede de ações que deveriam estar sendo postas em prática nessa direção. Aqui entra um outro tipo de gestão administrativa, por meio do desencadeamento de políticas públicas associadas com áreas afins à segurança preventiva, como saúde, educação,  lazere oportunidades laborativas.

Mas tudo isso, porém,  requer eficiência por parte do poder público e é aí que as coisas se complicam.

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